São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

Próximo Texto | Índice

Para FAB, fabricante devia ter mudado seu manual

Jorge Kersul Filho, chefe do Cenipa, prevê uma "guerra dos grandes"

Choque em Congonhas foi o terceiro acidente com jatos Airbus que tiveram origem na mesma falha mecânica: um dos reversos pinados

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), disse ontem à Folha que o acidente com o vôo 3054 da TAM vai provocar uma "guerra dos grandes", pois esse é o terceiro acidente com jatos Airbus que tiveram origem na mesma falha mecânica: o reverso pinado, ou seja, bloqueado.
"O fabricante [Airbus] já deveria ter tomado providências para evitar novas ocorrências desse tipo", disse Kersul, cauteloso e insistindo em dizer que acidentes aéreos são sempre um somatório de fatores, em geral humanos, mecânicos e operacionais.
Houve acidentes com aeronaves da Airbus nas Filipinas, em 1998, e em Taiwan, em 2004, sem que houvesse nenhuma mudança nos manuais dos aviões nem nas orientações elaboradas pelo fabricante para os pilotos e mecânicos.
Nesses dois acidentes, um dos reversos da aeronave estava travado -mesma situação do avião acidentado no último dia 17 em São Paulo- e os manetes que dão potência às turbinas, em posição errada.
Tudo indica que ocorreu a mesma conjugação de fatores também com o TAM 3054 em Congonhas. A diferença é que no caso brasileiro não houve nenhum sobrevivente, ao contrário dos anteriores.

Fator inicial
Kersul foi enfático ao dizer que ainda não há conclusões, mas disse que, na sua opinião, foi essa falha mecânica original que deflagrou os demais fatores que contribuíram para o acidente, principalmente um provável erro dos pilotos ao manipular os manetes, alavancas que aumentam ou reduzem a potência de cada turbina, como um acelerador de carros.
Segundo ele, é bastante possível que os pilotos tenham se atrapalhado na hora de operar o jato durante o pouso em Congonhas, mas a falha original foi do reverso do Airbus.
Os procedimentos adotados provavelmente estariam adequados para o caso de os reversos do avião estarem funcionando normalmente, mas não para o caso de haver problemas com eles -e havia, como a própria TAM já admitiu.
Os reversos são equipamentos usados para ajudar a frenagem durante o pouso. No caso do Airbus A-320, um deles estava bloqueado e, se os manetes foram acionados igualmente, podem ter produzido um efeito inverso: o reverso que estava funcionando foi acionado para frear, enquanto o outro (que estava bloqueado), para acelerar.
Isso pode justificar por que o avião fez um inexplicável giro à esquerda depois do pouso, enquanto continuava em alta velocidade até bater no prédio da TAM Express a 175 km/h e explodir, após atravessar a avenida Washington Luís.
As últimas falas ouvidas na cabine são "vira, vira, vira", como se um piloto gritasse para o outro para tentar seguir reto e este não conseguisse controlar a aeronave.

Manuais
Pelos manuais da Airbus, o A-320 poderia voar até dez dias mesmo apresentando problemas com um dos reversos.
Mas, se já tinha havido dois precedentes de acidentes com origem no reverso pinado, o fabricante deveria ter revisto essa norma, além de ter tomado outras medidas para evitar que acidentes se repetissem.
Só depois do acidente em São Paulo com 199 mortes e do início da análise da caixa-preta contendo os dados do vôo, nos EUA, é que a Airbus emitiu um comunicado reforçando os procedimentos corretos para o caso de haver problemas no reverso da aeronave.
Na última terça, ao ser questionada sobre esse comunicado em que pede o "estrito cumprimento" de dois procedimentos de pouso, a Airbus não quis confirmar ligação com o acidente brasileiro.
"Não cabe à Airbus fazer qualquer comentário sobre o que os dados preliminares demonstram. Neste caso, isso cabe à comissão de investigação brasileira", disse Barbara Kracht, vice-presidente do setor de mídia da Airbus.
A emissão do comunicado está sendo interpretada nos meios aeronáuticos brasileiros como uma forma de reconhecer que o erro original estava no reverso travado, seguido de má operação dos pilotos.
Esses fatores vieram a se somar às circunstâncias negativas: chovia no dia do acidente, o piso estava escorregadio e a pista, com 1.940 metros, é curta e sem área de escape.
Com um dos reversos travado, seguido por erro na operação dos manetes, os pilotos não tiveram tempo nem margem de manobra para sair da situação.
Em Taiwan e nas Filipinas, as pistas eram maiores e os aviões não se chocaram em prédios vizinhos aos aeroportos. Isso fez toda a diferença.


Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.