São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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TRAGÉDIA EM CONGONHAS/INVESTIGAÇÃO

Avião da TAM tinha "sobra" de combustível

Para economizar, companhias aéreas adotam estratégia de abastecer mais onde imposto é menor; SP tem maior alíquota

Para especialistas, excesso de peso é um adicional de risco desnecessário, já que torna mais delicadas as condições de pouso

ALENCAR IZIDORO
EVANDRO SPINELLI
KLEBER TOMAZ

DA REPORTAGEM LOCAL

O Airbus-A320 da TAM que se acidentou no último dia 17 em Congonhas voava com uma quantidade de combustível bem superior à necessária para ir de Porto Alegre a São Paulo -fato que potencializou as conseqüências da explosão e do incêndio depois da batida.
O excesso de querosene armazenado não descumpria nenhuma norma da aviação, mas reflete uma prática comum das companhias aéreas do país e que tem sido vista como um adicional de risco desnecessário por uma parte dos especialistas em segurança de vôo.
Os Estados cobram alíquotas diferenciadas de ICMS do querosene dos jatos. No Rio Grande do Sul, ela é de 17%, contra 25% em São Paulo, 3% em Minas e 4% no Rio de Janeiro.
Para economizar, as empresas adotam estratégias de abastecimento nem sempre de acordo com a necessidade do trajeto, mas conforme os preços mais baixos.
A tendência, portanto, é, muitas vezes, pousar em São Paulo com a quantidade máxima possível de combustível -para que não se pague uma alíquota mais alta no Estado.
E quanto mais pesado está um avião, mais delicado é seu pouso, maior é a importância de seu sistema de frenagem e da dimensão da pista -que, em Congonhas, se limita a 1,94 km, uma das menores entre os principais aeroportos do Brasil.
Não é à toa que uma das novas restrições discutidas para Congonhas abrange um limite menor de peso dos aviões.
A TAM diz que seu Airbus que se envolveu no acidente de Congonhas havia decolado de Porto Alegre com 9,2 toneladas de combustível. Um mecânico que inspecionou a aeronave minutos antes no aeroporto local estima que a quantidade estava próxima de 12 toneladas.
Independentemente de qual das duas versões seja a correta, havia querosene mais do que suficiente para a viagem, já consideradas as margens de segurança obrigatórias na hipótese de eventuais imprevistos.
Os cálculos de consumo do A320 indicam que ele não gastaria mais do que quatro toneladas no trajeto. Ou seja, a colisão se deu com uma quantidade de combustível superior a pelo menos cinco toneladas.
Até para assegurar uma autonomia de vôo no caso de imprevistos, os jatos sempre devem decolar com uma sobra de querosene. Ele deve abranger, segundo Raúl Francé, coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade Católica de Goiás, um adicional de 10% do cálculo de consumo, outro de 30 minutos de navegação e ainda uma quantidade suficiente para se deslocar para outro aeroporto mais próximo.
Mesmo assim, havia um excesso no Airbus-A320 da TAM de, no mínimo, três toneladas.
O peso total do avião no dia do acidente (incluindo passageiros, bagagem, fuselagem) atingia 62,7 toneladas, segundo a própria TAM, muito próximo do limite de segurança de 64,5 toneladas para pousos.
A condição reforçava a importância da frenagem da aeronave no momento do pouso.

Economia
Um executivo do setor aéreo diz que só a TAM já conseguiu economizar R$ 30 milhões em um ano com a programação de compra do combustível.
Mas a prática, segundo Respicio do Espírito Santo Júnior, professor de Transporte Aéreo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é freqüente pelo mundo inteiro.
"Se pudesse, nunca abasteceria em São Paulo. Mas nem sempre isso é possível", afirma.
Fernando Catalano, professor da USP em São Carlos, reprova, sob a ótica da segurança, a estratégia de voar com combustível desnecessário. "É prudente ser conservador. O ideal é que a quantidade de combustível fosse determinada pelo trajeto, e não pela economia."
Opinião semelhante tem Raúl Francé. "O peso maior pode atrapalhar a operação, principalmente no procedimento de aproximação da pista", diz.
George Ermakoff, consultor e ex-presidente do Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias), diz que os custos com combustível da aviação chegam a representar de 30% a 40% das despesas totais.
Ele acrescenta que os cálculos de abastecimento não levam em conta só a alíquota do ICMS, mas outros fatores -e quanto mais pesada, mais combustível a aeronave também tenderá a consumir.


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