São Paulo, quarta, 29 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE
Secretário acusa ONG de ter retirado órgão sem permissão da família; 13 córneas e glóbulos oculares são apreendidos
DF investiga transplante ilegal de córnea

Alan Marques/Folha Imagem
O coordenador da Central de Captação de Órgãos do Distrito Federal e médico nefrologista João Batista Teixeira Pinto, no local onde trabalha


BETINA BERNARDES
ALAN MARQUES
da Sucursal de Brasília

Irregularidades, trocas de acusações e suspeitas da existência de um esquema paralelo e clandestino, envolvendo inclusive pagamento, marcam o processo de captação e transplante de córneas no Distrito Federal.
Antonio Luiz Ramalho Campos, secretário da Saúde do DF, anunciou ontem que descobriu, na semana passada, a retirada ilegal das córneas de Edgemir Menezes de Araújo, 36, que morreu no Hospital de Base no dia 22 de julho vítima da doença de Chagas.
"Estamos preocupados com a transparência em todo o processo. Pode estar por trás disso tudo uma série de irregularidades, não estou acusando ninguém, as investigações é que vão chegar a uma conclusão, mas pode estar havendo pagamento", disse o secretário da Saúde do DF.
Segundo o secretário, o Banco de Olhos de Brasília, uma organização não-governamental que atua há 14 anos no DF, procedeu a retirada das córneas sem autorização da família do morto. "Embora a lei permita a captação de órgãos sem precisar pedir a autorização, aqui a orientação é sempre pedir e só quem pode fazer a retirada dos órgãos é a Central de Captação de Órgãos do DF."
A secretaria descobriu que houve a retirada de córneas porque o tecido foi mandado para exame sorológico na Fundação Hemocentro do DF. O Hemocentro comunicou que o exame, solicitado para a realização de transplante, não havia sido pedido pela central.
O coordenador da central, o médico nefrologista João Batista Teixeira Pinto, investigou o caso e chegou até o auxiliar de necropsia Roberto Anastasio.
Anastasio, segundo o coordenador, disse que fez a retirada a pedido do Banco de Olhos, onde também trabalha. "Procurei o presidente do Banco de Olhos e disse que a retirada era ilegal", afirmou.
O médico Francisco Silvino de Brito, que trabalha para o DF e também é presidente do Banco de Olhos, que funciona da Unidade de Oftalmologia do hospital de Base, disse que tinha a autorização de um cunhado do morto, Mauro Carneiro Costa, para efetuar a retirada da córnea.
Moisés Garcia Fmadi, primo em segundo grau do morto, disse que os papéis assinados por familiares diziam respeito somente à liberação do corpo. "Estão alegando que o Mauro assinou a autorização, mas ele é semi-analfabeto e só assinou papéis para a liberação do corpo", disse.
"Uma pessoa do hospital nos procurou depois do enterro perguntando se vimos alguma coisa estranha no cadáver, dissemos que o olho estava costurado. Eles exumaram então o corpo e não nos pediram autorização", disse.
A Secretaria da Segurança Pública do DF exumou o corpo no dia 25 de julho, depois de receber a denúncia da Secretaria da Saúde.
A Secretaria da Segurança também apreendeu 13 córneas e glóbulos oculares armazenados no Banco de Olhos.
A central foi constituída no DF em junho de 96, antes mesmo da entrada em vigor da lei federal sobre captação e transplantes de órgãos. Pela lei, desde julho do ano passado somente as centrais de captação poderiam efetuar a retirada de órgãos e transplantes.
A central do DF já possui lista única para receptores de rins e fígado, disponível inclusive na Internet, mas ainda não tem uma lista única de receptores de córneas.
Foi aberto inquérito policial e sindicância administrativa interna da Secretaria da Saúde para apurar a questão.
O secretário também fez denúncia à Procuradoria Geral da República.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.