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PASQUALE CIPRO NETO
"Interrompemos nossa programação para transmitir..."
Ou "para transmitirmos"?
Nunca me pus a fazer gráficos sobre as mensagens dos leitores, mas arriscaria um palpite: o emprego do infinitivo é o campeão das dúvidas, ou está muito
perto disso.
Cumpre informar aos caros leitores que a questão não tem solução matemática. Em muitos casos, o que vale é a intenção, o que
se quer destacar, enfatizar. E é aí
que se enquadra a frase com que
as emissoras informam ao público que a programação será interrompida para a transmissão do
nobilíssimo horário eleitoral.
Temos aí dois verbos ("interromper" e "transmitir"). Qual é o
sujeito do primeiro? É o pronome
"nós", implícito na desinência de
"interrompemos". Calma! Já traduzo esse palavrão técnico ("desinência"). A desinência nada mais
é do que um dos elementos formadores das palavras. Seu papel é
o de indicar as flexões dos vocábulos. No caso de "interrompemos", a desinência "-mos" indica
que o verbo está conjugado na
primeira do plural e que, por isso,
seu sujeito só pode ser "nós".
É bem provável que você já tenha percebido que, quando conjugadas na primeira pessoa do
plural de qualquer (QUALQUER!) tempo, todas (TODAS!)
as formas verbais da língua portuguesa terminam em "-mos":
"fazemos", "fazíamos", "fizemos", "fizéramos", "faremos",
"faríamos", "façamos", "fizéssemos", "fizermos" etc., etc., etc.
Pois bem, o sujeito de "interromper" é "nós". E o de "transmitir"? É o mesmo. Quem interrompe é quem transmite. Nesses casos, a flexão do infinitivo é desnecessária, mas não impossível. Que
muda de um caso para o outro?
Sem a flexão, enfatiza-se a ação
("transmitir"); com a flexão
("transmitirmos"), enfatiza-se o
agente ("nós"). Em textos informativos, costuma-se não flexionar o infinitivo em casos como esse, por no mínimo duas razões: a
"economia" (o texto é mais "enxuto") e a tendência, natural nesse tipo de texto, para que se destaque a ação, e não seu agente.
Vejamos outros exemplos: "Os
líderes sindicais se reuniram para
discutir a proposta do governo";
"Fizemos o possível para satisfazer suas exigências"; "Os professores viajaram mais de cinco horas para ouvir o conferencista".
Nos três casos, seria possível flexionar o infinitivo ("para discutirem a proposta", "para satisfazermos suas exigências", "para ouvirem o conferencista"), desde que
houvesse a intenção e a necessidade de enfatizar o agente de cada processo verbal. Que lhe parece? Se você quer saber o que penso, digo-lhe que em nenhum dos
três exemplos eu empregaria o infinitivo flexionado. Em textos
dessa natureza, parece-me que a
ação sobressai ao agente, já implícito na forma verbal anterior
ou citado explicitamente.
E quando o infinitivo vem na
oração que inicia o período? Quer
um exemplo para pensar? Vamos
lá: "Para obterem (ou "obter'?) a
aprovação da lei, os deputados
governistas foram obrigados a negociar com a oposição". Agora a
coisa muda: predomina o uso da
forma flexionada ("obterem").
Por integrar a oração que inicia o
período, o infinitivo flexionado
"prepara" o leitor para já raciocinar em termos de plural. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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