São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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PASSEIO DE RISCO

Pesquisa avaliou 24 quarteirões em todas as regiões da cidade, mas nenhum atendeu a pré-requisitos de segurança

Calçadas de SP viram prova de obstáculos

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
Calçada quebrada pela raiz de uma árvore na rua Mourato Coelho, em Pinheiros (zona oeste de SP)


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Regiane caiu num buraco e quase teve de operar o joelho pela segunda vez. Valdezina machucou o rosto e precisou imobilizar os dois pulsos por causa de duas topadas. Vanessa chegou a ficar um mês com a perna engessada depois de virar o pé num desnível. Yara torceu o pé num tropeção. Maria Eduarda nem lembra mais quantos sapatos teve de aposentar por ter perdido o salto. Tudo isso nas calçadas de São Paulo.
Caminhar na cidade mais motorizada do país é como uma corrida de obstáculos. Estreitos, cheios de irregularidades e desníveis, escorregadios, muito inclinados e tomados por barreiras como árvores, canteiros, placas, mobiliário urbano, mesas e cadeiras de bares, mercadorias de lojas e camelôs, os passeios, que deveriam ser um espaço privilegiado para pedestres, acabaram virando um campo minado, que exige deles atenção e cuidados dobrados.
O que quase todo paulistano já sente na pele foi comprovado numa pesquisa realizada pela Gold Projects, consultoria especializada em segurança viária, e que será apresentada no Seminário Paulistano de Calçadas, amanhã, na Câmara Municipal.
Foram avaliados 24 quarteirões de calçadas em cada uma das cinco regiões da capital (incluindo a central), em áreas de grande movimento. Nenhum quarteirão atendeu a todos os pré-requisitos de segurança e acessibilidade fixados pela própria legislação municipal.
Os acidentes são a face mais grave e cara do problema, mas há outras, afirmam especialistas.
Calçadas ruins e inseguras inibem a circulação pela cidade, reforçando o isolamento e a tendência de concentração em espaços fechados. E, como são construídos ao sabor do gosto dos donos dos imóveis com que fazem fronteira, sob praticamente nenhuma fiscalização do poder público quanto a normas e padrões, os passeios paulistanos formam uma colcha de retalhos que, além de potencialmente perigosa, nem sempre é agradável aos olhos.
Na raiz do problema, está a priorização histórica dada aos veículos, em detrimento dos pedestres, seja por motivos econômicos (incentivar a indústria de automóveis) ou políticos (uma obra de melhoria para carros tem mais impacto imediato e visibilidade do que de melhoria das calçadas), diz Eduardo José Daros, presidente da Abraspe (Associação Brasileira de Pedestres).
"A associação existe há 23 anos, e sempre foi assim", afirma. "O poder público precisa entender que as calçadas são, pelo Código Nacional de Trânsito, parte da via pública, e que é responsabilidade das autoridades zelar pela segurança de todos os usuários: pedestres e motoristas", completa.

Piso livre
O fato de, pela lei em vigor em São Paulo, os particulares serem responsáveis pela escolha do piso das calçadas, sua colocação e manutenção também é uma das principais causas dos problemas para os pedestres, sustenta Philip Anthony Gold, diretor da Gold Projects e consultor autônomo do BID em segurança viária.
Isso porque, embora seja possível usar três tipos de pavimento -cimentado, ladrilho hidráulico (cerâmica que costuma formar desenhos como o mapa do Estado) ou mosaico português (pedras pretas e brancas)-, a regra nem sempre é cumprida, e a própria prefeitura admite ser impossível controlar toda a cidade.
Outro problema é que o mosaico, uma tradição em muitas cidades brasileiras, que remonta à época colonial, não é mais considerado adequado. Aliás, é hoje visto como o grande vilão das calçadas, ainda que seja legalizado.
"O mosaico não tem superfície regular, as pedras saem com facilidade, e ele é de difícil recomposição, exigindo um trabalho altamente qualificado, que quase nunca se pode pagar", afirma Ruy Villani, diretor no Convias (Departamento de Controle de Uso das Vias Públicas) da Coordenadoria de Compatibilização dos Serviços das Concessionárias.
Não é à toa, portanto, que, num estudo divulgado em 2003, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) concluiu que cerca de nove em cada mil pessoas tropeçam ou caem nas calçadas anualmente nas cidades brasileiras, principalmente em conseqüência de defeitos no piso.
A mesma pesquisa ("Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas") mostra que as quedas nas calçadas correspondem a um em cada quatro acidentes de trânsito. O custo médico-hospitalar disso para o país pode ser estimado em R$ 166,3 milhões por ano, segundo os cálculos do Ipea.


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