São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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GILBERTO DIMENSTEIN

Prioridade de Serra à saúde é social ou eleitoral?

Falta muito tempo para a eleição, mas, por enquanto, a vitória programática é do PSDB na cidade de São Paulo: o partido está conseguindo impor, na agenda, a saúde como a prioridade máxima da cidade de São Paulo e fazendo Marta correr atrás.
Pesquisa Datafolha publicada ontem revelou dianteira de Marta Suplicy (34%) contra José Serra (30%) quase no limite da margem de erro. Levando em conta, porém, as simulações de segundo turno e as taxas de rejeição, o candidato tucano é, até este momento, o favorito, com larga margem de vantagem. Parte dessa vantagem se deve, como sugere a pesquisa, à exploração do tema da saúde, apresentado como a prioridade das prioridades. É um acerto social ou eleitoral?
É óbvio que esse é um dos assuntos vitais de uma comunidade e, mais óbvio ainda, que a situação é vexaminosa e que todos os candidatos têm a obrigação de estar preocupados com o atendimento médico e ambulatorial do município. Tal tema, entretanto, está onde está menos pela gravidade da questão que pela conveniência eleitoral.
 
Quando decidia se saía candidato, Serra viu, em todas as pesquisas, que a saúde constituía a área mais vulnerável da gestão de Marta Suplicy; as reclamações eram generalizadas -especialmente, nos bairros mais pobres. A pesquisa do Datafolha constata que, neste momento, a saúde passou a ser a maior preocupação dos paulistanos, desbancando o emprego e a segurança -dois assuntos em que um prefeito tem limitada margem de ação.
Uniu-se, então, uma ansiedade popular a uma biografia. A passagem pelo ministério conferiu a Serra, mais uma vez segundo as pesquisas, uma imagem positiva como gestor na área de saúde. Uma parte expressiva dos votos que obteve na sucessão presidencial, na qual foi derrotado por Lula, veio por causa dessa imagem.
 
Marta Suplicy dispõe de obras para mostrar em educação, com os vistosos CEUs, além dos programas de renda mínima e do bilhete único. É difícil, portanto, no jogo de imagens, atingir Marta nos quesitos educação, transporte e renda mínima.
Sobrava ao candidato do PSDB atar-se ao prestígio do governador Geraldo Alckmin e investir no tema municipal que lhe é mais familiar -e, pelo jeito, ele está acertando. A pesquisa do Datafolha indica que Serra cresceu mais entre as mulheres, sensíveis a questões de saúde.
Serra falou em distribuir remédios pelos Correios, Marta anunciou, já para agora, a medida. Em meio a bate-boca, na semana passada, falou em mais testes pré-natais, Marta jurou que já faz o que ele promete, cada um acusando o outro de desinformação.
Para completar, a prefeita anunciou, em grande estilo, os CEUs da saúde, sem dizer quanto custarão nem de onde vai tirar o dinheiro. Serra sentiu o golpe e disse que aquilo era "obra" de Duda Mendonça.
 
Entendem-se, portanto, as razões de Serra e Marta. Um julgamento técnico, frio, fora das conveniências eleitorais, lançaria a seguinte questão: qual o investimento social de maior retorno? Não é a saúde. É a educação.
É universalizar a pré-escola, treinar ainda mais os professores, aumentar o número de horas em sala de aula, oferecer mais programas extracurriculares e mais atividades culturais, bem como criar mais estímulos à leitura e à escrita, além de instituir nas escolas programas de prevenção das drogas, do álcool, das doenças sexualmente transmissíveis e da violência.
 
Há estudos e mais estudos que mostram, matematicamente, como a sociedade recebe de volta em riqueza cada ano a mais de escolaridade investido em seus cidadãos. E recebe mais ainda quando se formam estudantes empreendedores, protagonistas, capazes de abrir negócios, de mudar sua comunidade, de aperfeiçoar-se profissionalmente.
Um dos principais sinais da fragilidade do Brasil é justamente este: a educação ainda não se transformou em uma obsessão nacional. A população está tão presa a seus dramas imediatos, avassaladores, que não transformou as escolas e, principalmente, os professores em núcleos essenciais da produção de riqueza comunitária.
 
O problema é que educação é uma plantação que só se colhe muitos anos depois por pessoas que nem disseminaram as sementes. Não obedece à lógica do tempo real da política e, em especial, do marketing. Tanto isso é verdade que os CEUs fazem mais sucesso como centros comunitários, com suas piscinas, teatros e cinemas, do que como escolas. E quase ninguém acompanha o esforço municipal (e, vamos reconhecer, há algum esforço) para melhorar os professores.
 
PS - Se algum dia quiserem mesmo fazer uma revolução na educação, será necessário, antes de mais nada, criar uma nova carreira no magistério. Os professores e, em particular, os diretores terão de aprender não apenas a lidar com a sala de aula mas a serem empreendedores sociais, gente que mobiliza todos os recursos disponíveis na comunidade. Quando se conhece uma boa escola pública, geralmente, eu diria quase sempre, ou mesmo sempre, se descobre um diretor que vai além da sala de aula e atua como um pedagogo comunitário.

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