São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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EDUCAÇÃO

Para reitora eleita, expansão deve ser equilibrada e pode ser alternativa para superar dívida de R$ 30 milhões

Apesar de crise, PUC-SP pode ampliar campi

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

ALESSANDRA BALLES
DA REDAÇÃO

Apesar da crise financeira que a PUC-SP enfrenta, a reitora eleita Maura Véras, 62, estuda a possibilidade de expandir os campi da universidade. Segundo ela, a ampliação ainda está em estudo, mas uma das áreas que parecem atrativas para a nova empreitada é o Bairro Novo (zona oeste). A criação de novos cursos é apontada por Véras como uma das alternativas para superar a crise.
A dívida bancária da instituição ultrapassa os R$ 30 milhões e os índices de inadimplência oscilam entre 12% e 15%. A principal aposta de Véras para a recuperação financeira da universidade é um aumento progressivo de prestação de serviços, de modo a diminuir a importância das mensalidades na receita.
Outra proposta é a criação de um fundo para contribuições dos 1.800 ex-alunos cadastrados, que podem ajudar a entidade a oferecer bolsas e equipar laboratórios.
A reitora, que toma posse em novembro, irá administrar uma das universidades mais tradicionais do país, com 22,4 mil alunos e 1.950 professores. Leia a seguir trechos da entrevista com Véras.
 

Folha - A senhora irá assumir uma universidade que tem uma dívida superior a R$ 30 milhões. Qual será seu primeiro conjunto de ações para melhorar a situação?
Maura Véras -
A primeira ação já começou: estudar a situação concreta da PUC. Nós tentamos [fazer esse estudo] baseados no balanço de 2003 e estamos aprofundando essa análise. De imediato, vamos tentar alongar o prazo do pagamento da dívida. O diálogo com o banco tem de ser muito bem cuidado. Mas nós temos de fazer isso porque a nossa idéia -inverter o modelo de financiamento da PUC- talvez não dê recursos a curtíssimo prazo. Mas isso não está pronto. Temos várias equipes para produzir um diagnóstico concreto da situação.

Folha - Qual o diagnóstico inicial?
Véras -
A PUC tem uma dívida bancária de pouco mais de R$ 30 milhões, com parcelas a curto e a médio prazo. Para este ano, acho que há uma dívida de R$ 20 milhões. Há uma outra parcela no próximo ano e mais uma, com um prazo maior. Isso nós teremos de equacionar. A PUC tem outras dívidas, mas o professor Ronca [Antônio Carlos Ronca, atual reitor] fez um trabalho interessante em relação ao FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] e ao Refis [Programa de Recuperação Fiscal] e isso já foi equacionado com pagamento a longo prazo. O que mais nos preocupa, de imediato, é a dívida bancária.

Folha - Os salários dos professores estão sendo pagos em parcelas. Isso continuará no ano que vem?
Véras -
Só com base nesse estudo teremos idéia do que será possível fazer. Mas um acordo legítimo terá de ser feito. A gente já faz um pacto, aceita que a universidade está em dificuldades. O que a gente gostaria é que esse pacto fosse mais claro e dissesse em que o sacrifício está rendendo. Precisamos aperfeiçoar esse sistema de informações administrativas.

Folha - A senhora foi a mais votada entre professores e alunos. Como pretende atrair o apoio dos funcionários?
Véras -
Estamos propondo um centro de atualização e capacitação desse corpo técnico e queremos dar uma reestruturada administrativa para aumentar a agilidade. Também sinto que nem todas as funções do corpo administrativo foram previstas, pois a PUC cresceu. Tem desde um teatro até um hospital. Por isso precisamos criar perspectivas de progressão na carreira, cargos novos. Isso tem de ser estimulado.

Folha - Nos convênios que a senhora prevê com os setores público e privado, que serviços a PUC pode oferecer já a partir de 2005?
Véras -
Convênios já existem, por exemplo, com o PEC [Programa de Educação Continuada, do governo do Estado]; e nós temos várias áreas com vocação para prestação de serviços, como administração e contabilidade. Há inúmeras possibilidades.

Folha - A senhora já se colocou a favor, por exemplo, da assistência jurídica gratuita. Qual o critério para definir se o serviço deve ser gratuito ou se deve reforçar a receita?
Véras -
Depende da vocação do setor. A assistência jurídica, a clínica psicológica, os serviços atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no hospital são parte da essência da universidade, que é prestação de serviços gratuitos. Isso deve continuar e ser ampliado. Há uma série de áreas que também podem oferecer serviços gratuitos, como cursos de alfabetização e cursinhos pré-vestibular. Mas alguns setores têm vocação para prestação e venda de serviços, podem fazer uma qualificação dos quadros de uma empresa, por exemplo. Aí não seria gratuito. Estamos estudando que setores têm mais possibilidades de fazer convênios e parcerias.

Folha - Uma proposta do professor Dirceu de Mello, que também concorreu à reitoria, era a ampliação de cursos que têm superávit, como direito, para superar a crise. A senhora adotará essa medida?
Véras -
Essa é uma alternativa. Mas quando a gente fala em expansão com equilíbrio, ela não se refere a um ou outro curso. Há uma análise das potencialidades de cada unidade da universidade. Se uma delas sabe que os seus cursos têm potencial para crescer, ela mesma deve sugerir isso. Ao mesmo tempo, se tiver um curso com problemas de demanda ou de alta inadimplência, essa mesma unidade poderia sugerir uma forma de suprir isso, sem cortar o curso. Essa expansão não precisa ser feita apenas nos campi existentes, mas ir a locais estratégicos da cidade. Nós temos, na cidade de São Paulo, a Derdic, que é uma divisão de reabilitação dos distúrbios da comunicação, o campus Monte Alegre e o Marquês de Paranaguá. Esses dois últimos estão quase saturados, com excesso de alunos. Temos de ver que há locais da cidade que são pontos de entroncamento de transporte coletivo e podem perfeitamente receber novos cursos da PUC. Essa estratégia e que cursos iriam para esses locais também estão em estudo.

Folha - Seriam novos campi mesmo?
Véras -
Seriam novos campi.

Folha - A USP está criando um campus na zona leste. Para a senhora, essa região tem potencial?
Véras -
Sim, mas eu gostaria de dizer enfaticamente que nada seria imposto. Nós vamos discutir unidade por unidade e verificar que cursos poderiam ir. Temos aqui uma caracterização dos bairros da cidade, com suas potencialidades, o nível socioeconômico.

Folha - Que bairro a senhora gostaria de sugerir nesse debate?
Véras -
Temos muitas idéias, mas eu gostaria de ser mais cautelosa. Vou dar um exemplo emblemático, esse Bairro Novo, na Barra Funda, não é tão distante da PUC e parece ter vocação para atrair uma nova unidade. Mas são idéias preliminares.

Folha - Com o aumento da competitividade entre as universidades privadas, como a PUC pretende se diferenciar?
Véras -
O que a PUC tem e não pode perder é o mérito acadêmico -excelentes cursos, professores que são também pesquisadores. Nós temos outros méritos, como os conselhos, que são eleitos democraticamente. Mas não podemos esquecer que a essência da universidade é a produção de conhecimento. A PUC tem esse mérito e esse ambiente democrático. Se não fugir de sua essência, a universidade terá crédito, terá estudantes. Não podemos deixar a crise financeira comprometer isso.

Folha - E quanto à implementação do orçamento participativo?
Véras -
A gente acredita que, se é possível, numa cidade como São Paulo, elaborar uma metodologia para educar as pessoas a serem co-gestoras, por que não na universidade? Vamos dizer as demandas, as necessidades, as prioridades e ver o que é possível. Acho que podemos fazer isso de uma forma orquestrada.

Folha - O MEC divulgou que 33 instituições já aderiram ao programa Universidade para Todos [Prouni], que reserva vagas em universidades privadas para alunos carentes da rede pública, apesar de ele ainda não ter sido aprovado. A senhora apoiaria a adesão da PUC?
Véras -
Nós ainda não fizemos essa discussão e ela deve ser feita. Sou muito favorável à democratização do acesso, mas acho que a PUC tem de entender melhor a sua adesão. Têm algumas coisas interessantes [no Prouni], mas nós imaginávamos que haveria um maior fortalecimento da escola pública. E, de repente, o que a reforma [universitária] acena é um aproveitamento do enorme número de universidades privadas, e nem todas têm mérito acadêmico. Essa forma me parece um pouco paliativa para absorver a demanda por ensino superior. Acho que o projeto ainda não está totalmente delineado, estou tentando acompanhar o que está acontecendo, mas a PUC, como instituição, não se posicionou.

Folha - Aproveitando a realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a senhora o considera uma alternativa ao vestibular?
Véras -
Sim, desde que isso não signifique uma resposta fechada e acabada. É preciso trazer a questão do vestibular. Por que ele foi feito? Ele existe como um reconhecimento de que o ensino médio tem problemas. Eu espero que se consiga ter um projeto para a educação como um todo, não apenas a reforma universitária.

Folha - A partir da sua experiência como cientista social ligada às questões urbanas, como a senhora analisa os ataques a moradores de rua em São Paulo?
Véras -
Recentemente orientei uma tese de doutorado sobre a sensibilidade da sociedade em relação ao morador de rua, um estudo comparativo entre São Paulo e Paris. Esse trabalho revelou, em São Paulo, uma forte atitude de "higienismo", que é uma política de limpeza. Ninguém os quer perto da sua casa, eles incomodam. Infelizmente, é possível que a hipótese de um grupo de extermínio [como autor das mortes] seja verdadeira. Na verdade, isso é um revelador dessa intolerância. Em Paris, também existe "higienismo", mas lá o Estado tem todos os moradores de rua catalogados e muito mais instituições que aqui.

Folha - Como a sociedade poderia ultrapassar esse sentimento de higienização em relação aos moradores de rua?
Véras -
Acho que a universidade tem de produzir, essa é uma de suas tarefas, um conhecimento denunciando o que é o preconceito. Eu acredito na força da educação, por isso optei por ser professora.

Folha - A educação tem força pra evitar que massacres como esse, dos moradores de rua, se tornem mais raros?
Véras -
Eu acredito nisso.


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