São Paulo, quarta-feira, 29 de agosto de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Zelador de bairro


Uma entidade comunitária decidiu contratar todos esses policiais aposentados e treiná-los em zeladoria urbana

QUANDO LHE PERGUNTAVAM o que seria quando crescesse, Alexandre Miragaia respondia rapidamente: "policial militar". Além de seu pai, vários de seus familiares eram policiais militares. Ele, entretanto, não conseguiu ficar nem um ano na corporação. Um tiro disparado por um bandido deixou-o paraplégico. Nos próximos dias, ele tenta, mais uma vez, trabalhar com segurança, desta vez numa inusitada experiência -instalado numa sala na rua Augusta, vai ajudar a proteger todo um bairro.
Tentaram matar Miragaia porque ele era policial. Vestido à paisana, voltava para casa e foi vítima de uma tentativa de roubo. Reagiu e partiu para a briga. Os marginais viram que, na sacola dele, estava o uniforme. "Acharam que seria melhor me matar para que eu não fosse testemunha." Ficou 47 dias na UTI e mais sete meses no hospital, preso para sempre em uma cadeira de rodas. "Mas nunca perdi a vontade de trabalhar com segurança."
Estava desempregado quando, neste ano, foi chamado para ser uma espécie de zelador de todo um bairro, mais precisamente do refinado Jardim América, trabalhando em conjunto com um grupo de policiais que ficaram deficientes.

 

Uma entidade comunitária chamada Ame Jardins decidiu contratar todos esses policiais aposentados e treiná-los em zeladoria urbana, o que vai bem além de questões apenas de segurança. Eles estão conectados a indivíduos que enviam a uma central informações sobre os mais diversos problemas do bairro: entulho em alguma esquina, árvore caída na rua, sinais de incêndio, além, é claro, de qualquer suspeita de roubo, furto ou seqüestro.
O papel de Miragaia e de seus colegas é receber a informação e repassá-la imediatamente aos serviços públicos. "Nossa principal função é ir além de dar a informação." A tarefa dele é acompanhar cada caso. "Só vamos parar de cobrar quando o problema estiver resolvido." Algum suspeito entrando numa casa ou parado num semáforo, por exemplo, e isso será reportado para a polícia.
Caso se tenha conhecimento de um acidente, será chamado o resgate.

 

Além da comunicação com indivíduos que, voluntariamente, se propõem a dar informações sobre o bairro, os zeladores vão contar com a ajuda de 14 câmeras instaladas nas ruas e nas viaturas. "Se forem problemas menores, os funcionários que circulam nas viaturas vão tomar as providências, sem precisar necessariamente esperar pelo serviço público", conta Fábio Saboya, diretor da Ame Jardins, que se inspirou em um programa chamado "Neighborhood Watches", implantado com êxito nos Estados Unidos. Para Miragaia, o convite vem em boa hora por vários motivos, a começar do fato de que estava desempregado. Para se colocar no mercado de trabalho, ele vinha, com a ajuda de parentes, estudando numa faculdade de administração de empresas e imagina que, nessa nova função, poderá crescer usando os conhecimentos de gestão. Está decidido que esse sistema não ficará apenas naquele bairro e será gradativamente replicado, a partir do próximo ano, em todas as ruas da região dos Jardins. "Fiquei numa cadeira de rodas, mas meu sonho de proteger as pessoas não morreu."

gdimen@uol.com.br

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