São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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PERFIL DANIEL DEMETRIUS GIBSON

Segredo do ecstasy

Primeiro produtor da droga no país, químico ajudou a Polícia Federal a entender a fabricação dos comprimidos

Guilherme Pupo/Folhapress
Gibson dá entrevista em prisão do Paraná

ITALO NOGUEIRA
ENVIADO A SÃO JOSÉ DOS PINHAIS (PR)

Filho de família de classe média baixa, o paranaense Daniel Demetrius Gibson, 38, não gosta de rave ou música eletrônica. Preferia consumir ecstasy ouvindo música clássica num quarto escuro.
O ex-estudante de química não era usuário comum: é o primeiro e único produtor da droga sintética preso no país.
Sua prisão, em 2008, por manter um laboratório de ecstasy, pôs o Brasil na lista dos países produtores da droga. Para a Polícia Federal, a captura permitiu o contato com a produção clandestina.
Preso, Gibson ajudou a polícia listando os produtos que usava e como fazia comprimidos no pequeno galpão em Pinhais, Paraná, região metropolitana de Curitiba.
A equação surpreendeu peritos. Ele adquiria materiais sem restrição de compra para produzir, no laboratório, substâncias controladas por autoridades sanitárias.
A defesa de Gibson usou o apoio aos federais para tentar diminuir sua pena, recalculada pelo Tribunal de Justiça do Paraná de dez anos para nove anos e sete meses.
Ele está no Centro de Detenção Provisória de São José dos Pinhais, também região metropolitana de Curitiba.

FORMAÇÃO
Gibson cursou Química na Universidade Federal do Paraná de 1992 a 1997 e estudou dois anos no Chile. Foi professor de química, física e matemática de ensino médio e educador social, atendendo jovens moradores de rua. Mas sua paixão era produzir drogas novas ou conhecidas.
Disse ter aprendido sozinho a ler francês, inglês e espanhol para estudar em livros estrangeiros. Achou na internet fórmulas que o ajudaram a criar a rota sintética para o "ecstasy brasileiro".
Seu relato mostra que a polícia o deteve com 15 anos de atraso. Com acesso ao laboratório da UFPR, produziu, consumiu e analisou ali os efeitos do ecstasy, tudo pela primeira vez, em 1993.
"Fazia sozinho, à noite, para não levantar suspeita."
Em 1999, montou seu primeiro laboratório em casa, com materiais velhos da faculdade. A ideia, diz, era pesquisar e usar ecstasy com amigos. "Vendi algumas drogas para manter o laboratório. A ideia não era ficar milionário, mas manter [a estrutura] para a pesquisa".
O local foi fechado em 2000 pela polícia do Paraná. Mas ele ficou só três meses preso. Não houve laudo provando que os comprimidos apreendidos eram ecstasy.
Após a prisão, ele diz ter feito apenas estudos teóricos por sete anos. Em 2008, decidiu remontar seu laboratório, ao custo inicial de R$ 60 mil, distante de onde vivia.
Instalou-o numa rua sem asfalto num bairro pobre de Pinhais, onde a movimentação não causou suspeita. Dois anos após a prisão, Dorival Gonçalves, 75, vizinho do laboratório, ainda achava absurda a detenção "do rapaz que fazia remédio".
Sua capacidade de produção era de 160 mil comprimidos/mês. O custo de cada unidade era de R$ 0,50. O atravessador o comprava a R$ 10. Nas festas, era vendido entre R$ 40 e R$ 50.
Gibson diz ter produzido apenas 2.000 comprimidos.
A principal substância para a produção de ecstasy é o safrol, extraído da árvore canela-sassafrás, comum no Sul. Mas, segundo Gibson, ela pode ser sintetizada com "plantas encontradas em qualquer supermercado".
Ele afirma que alertava os clientes. "Nunca passei [o comprimido] sem dizer: "Sabia que um em um milhão pode ter sérios problemas. Já pensou que você pode ser essa milionésima pessoa?"."

NOVOS INTERESSES
Pai de uma adolescente de 18 anos, ele teme que a filha use drogas, mas relativiza.
"Minha preocupação com o ecstasy é bem menor do que com whisky ou cigarro."
Além do trabalho formal na prisão, Gibson mantém ativa a criação de rotas sintéticas para produção de ecstasy. "É como um arquiteto: se ele tiver lápis e papel, vai projetar uma catedral. Eu desenvolvo fórmulas", afirma.
Ele se vê como um "traficante light", por não ter se envolvido em ações violentas. Quer trabalhar na indústria farmacêutica ao sair da prisão. "Não me arrependo dos estudos, mas sim de ter colocado em prática. Vou pendurar minhas chuteiras de químico underground."


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