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URBANIDADE
Ilustração Vincenzo Scarpellini
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AO VIVO Maria Marta Martins abre uma barriga para extrair uma criança. Não há novidade nisso, nada de noticiável. Mas a progressão de gestos minuciosos que culmina no nascimento faz da sala operatória uma reserva em que o espetáculo, com seu prazer anestésico, ainda não consegue vencer o estupor: aqui se confunde aquilo que o homem conhece com o que ignora de si. (VINCENZO SCARPELLINI)
Se o Fusca de Serginho falasse
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Dirigindo seu Fusca
branco, Serginho Groisman deu-se conta, de repente, do
tamanho do desastre que seria
para a música popular brasileira
caso sofresse um acidente. Reduziu a velocidade e, inseguro, passou a dirigir tão devagar que irritou um dos passageiros. "Acelera,
meu filho, assim ninguém aguenta", protestou Cartola, espremido,
no banco de trás, entre Nelson
Cavaquinho e Clementina de Jesus, três dos maiores ícones do
samba, todos mortos.
Serginho levou quase todas as
estrelas da música popular brasileira, muitas delas a bordo de seu
temerário Fusca, para se apresentarem no Colégio Equipe. De 1971
a 1981, auge da ditadura militar,
os shows se mesclavam a mesas-redondas e a filmes "cults". "Era
um oásis na cidade, amedrontada pela ditadura", diz Serginho,
que dirigia o centro cultural do
Equipe, plataforma que o projetaria à televisão.
Esse "oásis" vai virar história
pelas mãos do próprio Serginho,
decidido a fazer um documentário sobre aqueles anos transgressores do Equipe, escola criada, no
centro de São Paulo, por uma
cooperativa de professores de esquerda. Não havia espaço culturalmente tão badalado, guardado na memória dos hoje quarentões, então descolados na juventude, orgulhosos de participar de
uma modalidade de vanguarda.
Por ali, passavam diferentes tribos: marxistas, guerrilheiros, hippies, alienados, roqueiros. "Trafeguei por todas essas tribos", diz
Serginho, testemunha de prisões
de alunos e professores, o que conferia ao ambiente o clima heróico
da resistência.
A resistência política era temperada pela sensualidade. As meninas, de sandália de couro, vestiam-se com roupas folgadas e
gritantemente coloridas, com detalhes floridos, e ajudavam os meninos a explorar praias quase virgens do sul da Bahia.
A programação cultural do
Equipe misturava Caetano, Gilberto Gil, Cartola, Elba Ramalho,
a turma dos Novos Baianos, Raul
Seixas aos adolescentes, que, sem
saber, iriam ter futuro, cantando,
encenando, escrevendo, fotografando -muitos dos Titãs, por
exemplo, estudavam no Equipe e
ajudavam a colar na rua os cartazes dos shows.
Sergio está à cata dos registros
fotográficos e filmes para, com os
depoimentos, compor o documentário. "Não guardamos nada", lamenta. Não sabiam, afinal,
que estavam fazendo uma das
boas histórias de São Paulo,
quando romanticamente se imaginava que, sem os militares, viveríamos livres da violência.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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