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OLHAR EXTERNO
Para Peter Burke, que visita o país, critério deveria ser econômico
Historiador inglês critica cota racial
RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)
O historiador inglês Peter Burke, 67, em visita ao Brasil, faz críticas à adoção do sistema de cotas
raciais no país e defende que o critério de reserva de vagas na universidade deveria ser exclusivamente econômico.
Professor aposentado da Universidade de Cambridge e um dos
principais especialistas em história cultural, Burke diz temer que o
Brasil perca sua identidade de
país mestiço.
"Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro ou é branco, como acontece
nos EUA", disse ele ontem à Folha, em Caxambu (MG), onde está para participar do 28º Encontro
Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que
acontece até amanhã.
Atualmente escrevendo um livro sobre o antropólogo Gilberto
Freyre (1900-1987), Burke descreve sua primeira impressão ao encontrar o autor de "Casa Grande
& Senzala" e apologista da miscigenação brasileira. "Eu o assisti
dando uma aula na Inglaterra,
nos anos 60. Ele falou sobre miscigenação. E me lembro de achar
que ele era bastante branco, parecia português. Achei engraçado:
tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura."
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Quais eram suas expectativas quando Lula foi eleito e qual
sua impressão sobre seu governo
até agora?
Burke - Não tinha grandes expectativas. Tenho certeza de que
ele gostaria de mudar bastante o
país, mas é sofisticado o suficiente
para saber que não pode fazer as
coisas rapidamente. E que a primeira prioridade era não destruir
a confiança financeira [internacional]. Então está sendo mais
conservador do que gostaria, e eu
não estou nem um pouco surpreso com isso.
Ao agir cautelosamente, você
age com maior eficácia, quando
grandes mudanças estão ocorrendo. E me parece que agora, na
educação, provavelmente aconteça uma reforma universitária, que
inclui a discussão sobre as cotas.
Se ele fizer isso, será uma grande
mudança.
Folha - O que o sr. pensa da adoção de cotas no Brasil?
Burke - Como uma pessoa de fora, me parece muito estranho, dada a história do Brasil, que alguém
queira ter esse sistema de cotas no
país. Afinal de contas, me contaram todas essas histórias maravilhosas sobre ninguém aqui saber
qual a sua cor, porque a aparência
física pode não demonstrar se você tem sangue africano ou o que
quer que seja.
Os mórmons americanos tinham essa regra que pessoas negras não podiam ser bispos da
igreja. Quando vieram ao Brasil,
não puderam decidir quem era
negro, e modificaram a regra. O
que é importante, a meu ver, é que
os pobres tenham cota. O critério
deveria ser econômico. Pode muito bem acontecer que muitas dessas pessoas sejam negras, mas é
melhor ter o critério econômico.
Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro
ou é branco, como acontece nos
EUA.
Folha - O sr., pessoalmente, consegue distinguir com facilidade
quem é branco de quem é negro no
Brasil?
Burke - As aparências enganam.
Você pode ser bem branco, e ainda assim ter uma avó negra.
Estou agora escrevendo um livro sobre Gilberto Freyre. Não
significa [a dificuldade de dizer
quem é branco e quem é negro]
que vamos aceitar a idéia de "democracia racial". Vou discuti-la
criticamente, e tentar entender
como ele chegou a dizer isso.
Eu o assisti dando uma aula na
Inglaterra, nos anos 60. Ele falou
sobre miscigenação. E me lembro
de achar que ele era bastante
branco, parecia português. Achei
engraçado: tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura.
Folha - O sr. acha que esse discurso da miscigenação é apenas ideológico no Brasil?
Burke - Não somente. Foi usado
ideologicamente. Eu nunca teria
usado o termo democracia racial.
É uma metáfora infeliz. Mas há
mais miscigenação aqui do que
em outros lugares, e isso teve algumas das conseqüências positivas que ele sugere.
Folha - E o sr. acredita que isso
não deveria ser perdido?
Burke - Exatamente.
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