São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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Quando a morte vira um motivo para piada

Epitáfios criativos (de mortos e vivos) revelam humor e ironia sobre fim da vida

De maneira distinta, frases em túmulos estão presentes todas as culturas e são capazes de gerar polêmica entre os que ficam

MARIANNE PIEMONTE
ROBERTO DE OLIVEIRA

DA REVISTA DA FOLHA

Bem-aventurados os que dão a última palavra mesmo depois de mortos, porque deles será esta reportagem. Particularmente daqueles cujas mensagens póstumas conseguem escapar da sisudez da morte ou do velho chavão do "aqui jaz", seja por graça pessoal ou de seus próximos.
Na hora de definir sua legenda para a eternidade, até um tremendo frasista como o comediante americano Groucho Marx acaba revelando que não é fácil brincar com a posteridade ou driblar o "respeito" à etiqueta de quem fica. Seu túmulo não traz o auto-epitáfio que cunhou em vida, com a mesma irreverência que lhe fez a fama. A lápide, em Los Angeles, traz só os anos de nascimento e morte, separados por uma estrela de David. Consta que a família não teria concordado em embarcar no chiste pos-mortem.
Se não é fácil para os herdeiros de um gozador mundialmente famoso, imagine para os de um desconhecido, enterrado num cemitério tradicional como o da Consolação. Numa de suas alamedas, a Revista descobriu uma lápide que traz, abaixo do nome do morto (omitido por razões legais), um aposto cravado em letras maiúsculas: A BOSTA. Procurada, a família não quis comentar.
É quase certo, porém, que o epitáfio mais polêmico do Brasil seja o de Francisco Franco de Souza, o Chico Sombração. Figura lendária de Pirassununga, autodidata e sem religião, Chico trabalhou com medicina, botânica, construção civil, fotografia e jornalismo. Quando morreu, em 1968, aos 82, deixou com um amigo uma mensagem insolente em que se dirigia ao "irmão bípede".
O então prefeito, Lauro Pozzi, considerou o epitáfio uma ofensa aos bons costumes e mandou retirá-lo do cemitério municipal. Avisada, a família entrou com uma ação na Justiça pedindo a reposição. O processo chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) e virou discussão nacional. Cinco anos depois, a placa foi recolocada.
Tamanho barulho tem razão histórica. "De maneira distinta, os epitáfios estão presentes em todas as culturas", explica Maria Angela Vilhena, cientista da religião, especialista em estudos sobre a morte, da PUC-SP.
"Na Idade Média, começaram com frases simples e foram ganhando textos poéticos com citações bíblicas. Voltaram a ser simples na Renascença e, no período barroco, passaram a expressar sentimento de dor, religião e afeto familiar", conta Maria Elizia Borges, especialista em arte funerária da Universidade Federal de Goiás. O tom impessoal e padronizado que vigora hoje surgiu no século 19: "Pouco texto, informações pontuadas e só um leve sentimento de dor".
Além de destacar epitáfios memoráveis, a reportagem pediu a personalidades que fizessem o próprio.

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