|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Estranhas afinidades
Poderiam descobrir-se mutuamente, poderiam constatar que haviam sido feitos um para o outro
|
Casal se divorcia após descobrir que flertava pela internet. Um casal residente na
cidade de Zenica, na Bósnia-Herzegóvina, estava com problemas no casamento.
Por causa disto, os dois iniciaram contatos pela internet, e, sem saber de suas
identidades, trocaram mensagens e acabaram se apaixonando. Quando a relação
se tornou séria, decidiram se encontrar,
e então descobriram quem eram. O casal
decidiu se separar. Folha Online
QUANDO DESCOBRIRAM QUE ,
sem saber, estavam se correspondendo pela internet,
ficaram, marido e mulher, surpresos, e chocados. Aquilo era algo mais
que uma simples coincidência. Era
um sinal. Um sinal de que alguma
coisa, em ambos, estava profundamente errada. E esta coisa os levara,
durante um tempo que não havia sido pequeno, a viver uma dupla existência. Daí as interrogações.
Quem sou eu, perguntava-se ele.
Com razão. No cotidiano (não confundir com o nome deste caderno da
Folha), ele era uma pessoa nervosa,
irascível, de gestos bruscos. Relacionava-se mal com os amigos e conhecidos e costumava descarregar suas
frustrações na esposa.
Quem sou eu, perguntava-se ela.
Com razão. No cotidiano (não confundir com o nome deste caderno da
Folha), ela era uma pessoa nervosa, irascível, de gestos bruscos. Relacionava-se mal com os amigos e conhecidos e costumava descarregar suas frustrações no marido.
Quem sou eu, perguntava-se ele.
Com razão. Nas mensagens que
enviava pela internet revelava-se,
para sua própria surpresa, uma
pessoa afetiva, dotada de rica imaginação e capaz de construir uma
relação amorosa mesmo à distância, mesmo sem ver aquela a quem
se dirigia. Um milagre da internet?
Talvez, mas ele suspeitava que a
internet nada mais fizera do que liberar o seu lado bom, o seu lado
positivo, o lado que amava a vida e
que buscava compartilhar tais sentimentos com alguém.
Quem sou eu, perguntava-se ela.
Com razão. Nas mensagens que
enviava pela internet revelava-se,
para sua própria surpresa, uma
pessoa afetiva, dotada de rica imaginação e capaz de construir uma
relação amorosa mesmo à distância, mesmo sem ver aquele a quem
se dirigia. Um milagre da internet?
Talvez, mas ela suspeitava que a
internet nada mais fizera do que liberar o seu lado bom, o seu lado
positivo, o lado que amava a vida e
que buscava compartilhar tais sentimentos com alguém.
Como é possível, indagava-se ele,
inquieto, que eu tenha, por assim
dizer, duas vidas? Como é possível
que estas duas partes de mim sejam tão diferentes, tão incompatíveis?
O que eu poderia fazer para me tornar uma pessoa só? A quem deveria recorrer para isso?
Como é possível, indagava-se ela,
inquieta, que eu tenha, por assim
dizer, duas vidas? Como é possível
que estas duas partes de mim sejam tão diferentes, tão incompatíveis?
O que eu poderia fazer para me tornar uma pessoa só? A quem deveria recorrer para isso?
Estas eram as perguntas que se
faziam. Claro, poderiam fazer as
mesmas perguntas um para o outro. Poderiam descobrir-se mutuamente, poderiam, quem sabe,
constatar que, ao fim e ao cabo, haviam sido feitos um para o outro.
Mas um diálogo destes não é fácil.
Preferem continuar na internet
para ver se encontram o príncipe
encantado, a princesa encantada.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
Texto Anterior: Secretaria pedirá que repasse a padre seja apurado Próximo Texto: Consumo: Telhanorte de Osasco não entrega compra no prazo dado Índice
|