São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2010

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BARBARA GANCIA

Medo de voar


Quem manda e-mail com foto trucada de candidata não tem direito de zombar da eleição do Tiririca


OUTRO DIA FUI conversar com uma psicóloga que ajuda o passageiro de avião a administrar seu medo de voar. Eu mesma já fui vítima da aflição que, para quem não sabe, causa desde a impossibilidade de subir na aeronave, até um pânico tão surrealista que a pessoa, em surto, é capaz de sair correndo pelo corredor do aparelho com as mãos pelos ares -como foi o meu caso na ponte aérea, em 1988-, gritando: "Vai cair! Vai cair!"
Pela graça do Nosso Clemente, Paciente e infinitamente Sábio Senhor, isso é coisa do passado. Hoje durmo feito a rocha de Gibraltar daqui até Heathrow ou Newark ou Charles de Gaulle e, se o avião tiver de cair, no fim das contas, sinto muito pela Receita Federal. Serão tributos a menos que a prefeitura e os governos estadual e federal irão recolher de mim.
Quer saber? Para ser franca, já estou entrando na idade de ir conhecer o Criador ou seus intermediários menos acolhedores. Pensando friamente, nem filhos tenho para ir chorar a emissão de gases carbônicos junto à minha pira, então que seja.
Mas não fui ter com a doutora Elvira Gross para aliviar as angústias que me devoram o âmago do ser íntimo. Fui querer saber dela a quantas anda o medo de voar do ilustre passageiro tapuia.
Calma que eu chego lá sem muita enrolação: quem andava de ônibus agora anda de avião. Será que isso fez aumentar o número de pessoas com medo de voar?
Segundo a doutora Elvira, não necessariamente. Diz ela que o medo de voar é irracional e ligado à ansiedade. Ele parte de um pensamento catastrófico e não é um medo, digamos, salutar. Uma situação real de estresse gera medo. Sofrer um assalto, por exemplo.
Mas 12 milhões de pessoas voam todos os dias e chegam tranquilamente aos seus destinos. Enxergar a realidade de forma distorcida a ponto de imaginar que voar seja uma condenação é, portanto, um medo patológico, uma disfunção.
Pois é. Uma classe inteira de gente que andava de ônibus agora vai a jato. De Itamar até hoje, apesar da corrupção endêmica de sempre, o país só fez reforçar sua pujança.
Ficha Limpa que o diga, a despeito da leizinha capenga que é, e dos mesmos protagonistas de sempre a quem ela barrou, seguimos em frente. Não se justifica o pensamento catastrófico nem a campanha indigesta que tivemos.
Em um país com o nosso grau de desigualdade, quem teve oportunidades deve ser duplamente responsável. Como é que o pessoal pode zombar da eleição do Tiririca quando se exalta com qualquer coisinha como se o avião estivesse despencando? Não estamos cruzando céu de brigadeiro? É só olhar para o resto do mundo. Por acaso, há alguma turbulência radical à frente que justifique reações passionais como as que temos visto?
Espera-se que o pensamento catastrófico que fez disparar fotos trucadas da candidata governista com um fuzil ao seu lado pela internet ou que produz dossiês em série sobre tucanos sejam apenas ataques de ansiedade. Porque se forem revelação de caráter, precisamos urgentemente nos sentar juntos para tomar um café ou um chope e nos conhecermos melhor.
Entre ricos e pobres, escolarizados e analfabetos, intelectuais e cabeças frescas, governo e oposição.

barbara@uol.com.br
@barbaragancia


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