São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Paraíso perdido


Tombada, com afrescos, esculturas, móveis e pinturas do século 17, a basílica do Carmo corre o risco de desabar


ANTONIO SÍLVIO da Costa jogou para o alto a carreira de médico, tornou-se frade carmelita e, missionário, saiu viajando pelo mundo. Visitou povoados miseráveis da África e da Ásia, alguns deles vítimas de guerras; no Timor Leste, ficou por quatro meses. Neste momento ele está em São Paulo travando uma batalha para evitar a destruição da fachada da igreja da qual é pároco. "É uma tristeza", lamenta frei Sílvio, sentindo-se impotente.
Sua sensação de impotência apareceu até mesmo nas badaladas do sino da igreja, na Bela Vista (Bexiga). Carioca, frei Sílvio não conhecia alguns dos códigos paulistanos e, pouco tempo depois de ter assumido o cargo de pároco, neste ano, foi chamado pela prefeitura por causa do programa "Psiu", do qual nunca tinha ouvido falar. Vizinhos reclamaram do barulho do sino e o caso acabou na Justiça. O juiz ficou do seu lado, afinal aqueles sons têm sido disparados a cada 15 minutos, religiosamente todos os dias, nesses últimos setenta anos. "Nunca imaginaria que um sino acabasse na Justiça", ironiza. Numa batalha quase solitária, ele busca aliados para evitar que a fachada da basílica do Carmo não despenque -mas, por enquanto, está de mãos vazias.
 

Tombada pelo patrimônio histórico, a basílica do Carmo tem uma peculiaridade. Foi construída por arquitetos modernistas, influenciados pelo escritor Oswald de Andrade, que, na juventude, seduzia-se pela congregação dos carmelitas. "Por causa dessa influência, a fachada serviu como uma experiência para repensar o barroco mineiro, muito europeizado."
Todo esse charme, acrescido de afrescos, esculturas, móveis e pinturas do século 17, faz com que a igreja seja procurada para casamentos de famílias ricas. Mas o dinheiro só fica nas cerimônias. "É desesperante ver pedaços de pedra de arenito mineiro despencarem de uma obra de arte."
 

A igreja não possui nem ao menos os R$ 26 mil que custariam o projeto de reforma da fachada -muito menos o dinheiro para executar as obras de restauro. Hoje à noite, frei Sílvio e um grupo de amigos da basílica vão tentar levantar recursos promovendo um jantar no claustro. Seu projeto, porém, é bem mais ambicioso do que o restauro: quer abrir aquele espaço à comunidade.
Uma de suas idéias é fazer concertos periódicos, usando uma de suas preciosidades -um imenso órgão alemão da década de 1920. "Gostaria de reunir corais." Mas o maior ganho para o bairro, onde quase não há áreas verdes, seria o acesso público ao jardim do claustro, silencioso, com os pássaros sobrevoando as árvores frutíferas e as carpas nadando num chafariz, tudo isso reservado aos momentos de meditação dos frades que moram ali no convento. É como se o tempo tivesse parado.
 

Se depender de frei Sílvio, esse jardim seria compartilhado pelos moradores, especialmente os idosos, para jogos e leitura. Mas não se sabe até quando o claustro continuará um paraíso perdido. "Por incrível que pareça, só não transformamos esse oásis verde em espaço público porque não temos como arcar com o pagamento de um segurança."


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