São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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Presas do PA dizem ser comum "cela mista" e casos de gravidez

DA ENVIADA ESPECIAL A BELÉM

Mulheres e homens presos na mesma cela em delegacias no interior do Pará são uma prática comum e não são raros os casos de gravidez. Essa realidade está suspensa, por ora, após o pente-fino do governo estadual, que trouxe, até ontem, 23 novas detentas do interior ao único presídio feminino do Estado, na região metropolitana de Belém.
Em visita ao Centro de Reeducação Feminina em Ananindeua, a Folha ouviu relatos de violência física e sexual semelhantes ao caso da menor L., 15, detida em uma cela com cerca de 20 homens em Abaetetuba.
A presidiária Valdecira Pantoja, 28, já engravidou duas vezes desde que foi presa em 2003 -seu caçula nasceu há 15 dias e foi entregue a uma irmã, sem período de amamentação. A primeira gravidez, há dois anos, aconteceu em Cametá, onde disse ter ficado na delegacia e em dois pavilhões diferentes do presídio masculino.
"Ficava lá convivendo... ameaça e desprezo. Tinha que tentar ficar com um menino lá para tentar ver se não me faziam mais mal", disse à Folha. "Não sei quem é o pai. Eu fiquei lá com os meninos, nem eu sei quem é o pai", completou Valdecira. Ela diz que tem quatro sentenças por roubo e furto e uma condenação de oito anos.
Ela chorou ao saber que teria direito de amamentar o bebê, mas uma agente carcerária interrompeu a conversa, dizendo que isso não foi possível porque não há berçário no local.
Uma das detentas recém-chegadas disse ter testemunhado um caso de abuso de poder e estupro na delegacia. "Há um mês, os policiais trouxeram uma mulher, que é doente mental, a Nazaré. Os presos a puxaram para dentro da cela e se serviram dela. O investigador ficava de cima filmando com o celular. Foram uns sete ou oito homens que abusaram dela, que estava doida mesmo", disse Iara de Jesus Batista Abreu, 35, que estava na delegacia de São Miguel do Guama.
A visita ao presídio feminino foi possível devido à diligência da CPI do Sistema Carcerário ao local, ontem pela manhã. "Pelo que estamos percebendo, esse caso da menina L. não é novidade no Pará", afirmou o presidente da comissão, deputado Neucimar Fraga (PR-ES).
A reportagem conversou com dezenas de mulheres no local e conheceu as celas. Todas afirmaram que não é incomum a detenção mista de homens e mulheres, e a maioria que relatou ter ficado nessa situação afirmou que não aconteceu abuso. A maioria das vezes por serem pessoas "conhecidas" dos presos ou policiais.
"Se a mulher não for conhecida, aí já sabe o que acontece, né?", disse Ana Lúcia Silva, 45. Outras detidas também explicaram que visitas íntimas podem ser arranjadas nas delegacias -um eufemismo para outro problema: policiais que supostamente recebem pagamento de presos para trazer prostitutas para o local.
Edinalva Borges da Silva, 30, ficou cinco meses em uma cela com 12 homens, no município de Primavera, segundo seu relato. Engravidou e teve um filho de outro preso, mas considera que seu relacionamento foi consensual. "Ele me protegeu e ficou comigo, teve facilidade do delegado", disse.
Questionada pela CPI, a delegada-corregedora responsável pelo interior do Estado, Elcione Moura, disse que o caso de L. foi a única denúncia recebida e que tudo o que chega é apurado. "Essa é a primeira vez que algo assim chega ao nosso conhecimento", disse. A Folha questionou a governadora Ana Júlia Carepa sobre o mesmo assunto; ela não respondeu. (LS)


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