São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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"Cheque-despejo" cria indústria de favelas falsas, diz Promotoria

Segundo investigação, várias pessoas são cooptadas a ocupar barracos com o objetivo de receber ajuda financeira da prefeitura

Auxílio da prefeitura pode chegar a R$ 5.000 por família; funcionários públicos também estão sendo investigados

ROGÉRIO PAGNAN
RAFAEL TARGINO
DA REPORTAGEM LOCAL

A distribuição do "cheque-despejo" -ajuda financeira dada pela prefeitura às famílias para que deixem áreas de risco- criou uma indústria de falsas favelas em São Paulo, segundo investigação do Ministério Público Estadual. Segundo depoimento de moradores aos promotores, várias pessoas são cooptadas a ocupar barracos prestes a serem removidos pelo município com o objetivo de também receber a ajuda financeira, que pode chegar a até R$ 5.000. Há a suspeita, ainda segundo o Ministério Público, da participação de funcionários municipais na fraude. A investigação teve início na favela Rocinha Paulista (zona sul). Sete moradores e ex-moradores relataram um esquema para receber o "cheque-despejo", coordenado por duas líderes comunitárias e com a conivência de um fiscal.
De acordo com essas testemunhas, das quais três delas a Folha ouviu, desde setembro deste ano as líderes comunitárias Elizabeth Gonçalves de Oliveira e Isabel Cristina Cândido coordenaram a construção de novos barracos. "O povo não dorme mais não.
É fazendo barraco a noite inteira", disse uma moradora, que pediu para não ser identificada. "Vem gente até do interior."
As testemunhas contam que, para autorizar a construção de um novo barraco, as líderes cobram um pedágio. De cada quatro barracos construídos, um é repassado à dupla. Isso também vale para a divisão de um mesmo barraco, outra fraude, que multiplica o valor do benefício. "Tem uma casa que foi divida em 12", diz uma moradora.
O esquema, ainda segundo esses moradores, conta com a participação de funcionários da prefeitura. O mais citado é um fiscal da Subprefeitura do Jabaquara, Eduardo Kawai, conhecido como Eduardo Japonês, responsável pelo cadastro de moradores. Kawai e Elizabeth negam as acusações.
"Isso [o esquema de fraudes] está acontecendo na cidade inteira. Foi criada uma indústria", afirma o promotor José Carlos de Freitas, da Habitação e Urbanismo da capital. Ele cita a construção de uma favela próxima à ponte estaiada sobre o rio Pinheiros.
De acordo com as testemunhas, só as líderes construíram 17 novos barracos (recebendo a indenização por todos eles). Os falsos moradores, que emprestam o nome para receber o cheque da prefeitura, receberam de R$ 500 a R$ 1.000.
Desde setembro, a prefeitura vem retirando barracos da favela da Rocinha Paulista em dois trechos. Um para a construção de uma rua e outro, em uma área considerada de risco.
A prefeitura disse ontem não saber quantas pessoas moram no local, que fica próximo da avenida Roberto Marinho.
Essas pessoas, segundo a investigação, recebem o cheque da prefeitura e, ao sacá-lo, vão acompanhadas dos fraudadores, que ficam com a maior parte do dinheiro na hora. Para o promotor Freitas, todos os métodos de desvio só seriam possíveis com a participação de funcionários da prefeitura. Além disso, ele analisa documentos entregues às famílias pela prefeitura sem o timbre oficial ou identificação de processo. "Ou a administração tem uma estrutura negligente ou tem uma estrutura corrupta justamente para dificultar o controle sobre esses pagamentos", afirma o promotor. A prefeitura disse não ter sido informada das denúncias, mas disse que vai ajudar na investigação.
Para o Ministério Público e a Defensoria Pública, a indústria das falsas favelas é motivada pela própria prefeitura ao utilizar a Verba de Apoio Habitacional -que deveria ser de caráter emergencial- como política habitacional para reduzir o número de favelas na cidade. A prefeitura nega a afirmação.
A Promotoria vai acionar a Justiça para tentar suspender o repasse dessas verbas em situações não-emergenciais. A verba deve ser usada exclusivamente para atender famílias em áreas de risco. Desde 2005, o município gastou R$ 52,3 milhões para indenizar 12 mil famílias.


Colaborou JOSÉ ERNESTO CREDENDIO, da Reportagem Local


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