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"Cheque-despejo" cria indústria de favelas falsas, diz Promotoria
Segundo investigação, várias pessoas são cooptadas a ocupar barracos com o objetivo de receber ajuda financeira da prefeitura
Auxílio da prefeitura pode chegar a R$ 5.000 por família; funcionários públicos também estão sendo investigados
ROGÉRIO PAGNAN
RAFAEL TARGINO
DA REPORTAGEM LOCAL
A distribuição do "cheque-despejo" -ajuda financeira dada pela prefeitura às famílias
para que deixem áreas de risco- criou uma indústria de falsas favelas em São Paulo, segundo investigação do Ministério Público Estadual.
Segundo depoimento de moradores aos promotores, várias
pessoas são cooptadas a ocupar
barracos prestes a serem removidos pelo município com o objetivo de também receber a ajuda financeira, que pode chegar
a até R$ 5.000. Há a suspeita,
ainda segundo o Ministério Público, da participação de funcionários municipais na fraude.
A investigação teve início na
favela Rocinha Paulista (zona
sul). Sete moradores e ex-moradores relataram um esquema
para receber o "cheque-despejo", coordenado por duas líderes comunitárias e com a conivência de um fiscal.
De acordo com essas testemunhas, das quais três delas a
Folha ouviu, desde setembro
deste ano as líderes comunitárias Elizabeth Gonçalves de
Oliveira e Isabel Cristina Cândido coordenaram a construção de novos barracos.
"O povo não dorme mais não.
É fazendo barraco a noite inteira", disse uma moradora, que
pediu para não ser identificada.
"Vem gente até do interior."
As testemunhas contam que,
para autorizar a construção de
um novo barraco, as líderes cobram um pedágio. De cada quatro barracos construídos, um é
repassado à dupla. Isso também vale para a divisão de um
mesmo barraco, outra fraude,
que multiplica o valor do benefício. "Tem uma casa que foi divida em 12", diz uma moradora.
O esquema, ainda segundo
esses moradores, conta com a
participação de funcionários da
prefeitura. O mais citado é um
fiscal da Subprefeitura do Jabaquara, Eduardo Kawai, conhecido como Eduardo Japonês,
responsável pelo cadastro de
moradores. Kawai e Elizabeth
negam as acusações.
"Isso [o esquema de fraudes]
está acontecendo na cidade inteira. Foi criada uma indústria", afirma o promotor José
Carlos de Freitas, da Habitação
e Urbanismo da capital. Ele cita
a construção de uma favela próxima à ponte estaiada sobre o
rio Pinheiros.
De acordo com as testemunhas, só as líderes construíram
17 novos barracos (recebendo a
indenização por todos eles). Os
falsos moradores, que emprestam o nome para receber o cheque da prefeitura, receberam
de R$ 500 a R$ 1.000.
Desde setembro, a prefeitura
vem retirando barracos da favela da Rocinha Paulista em
dois trechos. Um para a construção de uma rua e outro, em
uma área considerada de risco.
A prefeitura disse ontem não
saber quantas pessoas moram
no local, que fica próximo da
avenida Roberto Marinho.
Essas pessoas, segundo a investigação, recebem o cheque
da prefeitura e, ao sacá-lo, vão
acompanhadas dos fraudadores, que ficam com a maior parte do dinheiro na hora.
Para o promotor Freitas, todos os métodos de desvio só seriam possíveis com a participação de funcionários da prefeitura. Além disso, ele analisa documentos entregues às famílias
pela prefeitura sem o timbre
oficial ou identificação de processo. "Ou a administração tem
uma estrutura negligente ou
tem uma estrutura corrupta
justamente para dificultar o
controle sobre esses pagamentos", afirma o promotor. A prefeitura disse não ter sido informada das denúncias, mas disse
que vai ajudar na investigação.
Para o Ministério Público e a
Defensoria Pública, a indústria
das falsas favelas é motivada
pela própria prefeitura ao utilizar a Verba de Apoio Habitacional -que deveria ser de caráter
emergencial- como política
habitacional para reduzir o número de favelas na cidade. A
prefeitura nega a afirmação.
A Promotoria vai acionar a
Justiça para tentar suspender o
repasse dessas verbas em situações não-emergenciais. A verba
deve ser usada exclusivamente
para atender famílias em áreas
de risco. Desde 2005, o município gastou R$ 52,3 milhões para
indenizar 12 mil famílias.
Colaborou JOSÉ ERNESTO CREDENDIO, da Reportagem Local
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