São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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Aos 100 anos, Academia de Letras se restaura

Com sede no largo do Arouche, instituição paulista busca legitimar-se com a sociedade por meio de reforma e reuniões externas

Fundada em 1909, a intenção do presidente da Academia era reinaugurar no último dia 27, a data do centenário, mas o tempo não foi suficiente


MARIA EUGÊNIA DE MENEZES
DA REVISTA DA FOLHA

Toda quinta-feira, ele fazia tudo sempre igual. Levantava cedo, escolhia a roupa com apuro -calça social, terno branco, gravata borboleta- e, às 10h da manhã, já estava a postos no prédio do largo do Arouche. Durante 23 anos, o garçom José Luiz Amaro, 57, cumpriu religiosamente esse ritual para preparar o chá dos imortais da Academia Paulista de Letras.
Mas, desde que as obras de restauro do edifício começaram, a rotina de Zé Luiz não é mais a mesma. Operários e arquitetos tomaram o lugar dos escritores ilustres e, há seis meses, trabalham para recuperar o teto do auditório, que ruiu em 2007. A intenção do presidente da casa, o desembargador José Roberto Nalini, era reinaugurar no aniversário de cem anos da instituição, celebrado no último dia 27. Não deu tempo.
Alguns percalços com o orçamento deixaram as obras para mais tarde. A previsão agora é o primeiro semestre de 2010.
Imponente, o saguão da sede, inaugurado em 1953 e nunca antes restaurado, está coberto de poeira. Suas salas, projetadas em estilo art decó, andam quase desertas. Mas a Academia não suspendeu os encontros de quinta, frequentados por seus membros vitalícios.
Em vez disso, os imortais se valeram do pretexto para saracotear por aí. Nos últimos meses, visitaram, por exemplo, a Casa das Rosas e o Museu da Língua Portuguesa.

As donas do jogo
Tão logo sabem da sua chegada, os acadêmicos se alvoroçam e acorrem para recebê-la. Desde que fraturou o fêmur em julho, Lygia Fagundes Telles, 86, não comparecia a uma das sessões externas. Apoiada em uma bengala, ela recebe paparicos e perguntas sobre sua saúde.
Apesar de ainda estarem em minoria -apenas quatro cadeiras na Academia são ocupadas por mulheres-, elas são o centro das atenções. Também saudada efusivamente, a folclorista Ruth Guimarães, 90, não falta a nenhuma das reuniões.
Mãe de nove filhos, Ruth fez malabarismos para conciliar as atividades como professora e jornalista -escreveu crônicas para a Folha durante 14 anos-, ao trabalho como escritora e tradutora. Em junho de 2008, foi a última mulher a ser eleita.

Tradições paulistas
A despeito das pequenas transformações, a Academia continua a mesma. Pelo menos é o que garante um de seus mais antigos personagens: Paulo Bonfim, membro decano da Academia, eleito em 1963.
O poeta Paulo Bonfim, 83, descreve a razão para a estabilidade dos costumes: "A Academia é o lugar de preservação das tradições paulistas". Ele vê com bons olhos as reuniões fora. "Tornam a Academia mais popular. Mais gente poderia conhecer a biblioteca, uma das mais importantes da cidade."
Nas estantes, estão guardados mais de 100 mil títulos. Entre eles, muitos livros raros e uma coleção de manuscritos. Há ainda cartas preciosas, como a escrita por dom Pedro 1º para a marquesa de Santos. Apesar de aberto ao público, o acervo é pouco procurado. Maria Luiza de Souza Lima, 73, é a bibliotecária que cuida de tudo.
Lygia Fagundes Telles aponta que a conquista de novos públicos é justamente o maior desafio da instituição centenária. "Está cheio de autores. A nova luta é para recuperar o leitor."


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