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Aos 100 anos, Academia de Letras se restaura
Com sede no largo do Arouche, instituição paulista busca legitimar-se com a sociedade por meio de reforma e reuniões externas
Fundada em 1909, a intenção do presidente da Academia era reinaugurar no último dia 27, a data do centenário, mas o tempo não foi suficiente
MARIA EUGÊNIA DE MENEZES
DA REVISTA DA FOLHA
Toda quinta-feira, ele fazia
tudo sempre igual. Levantava
cedo, escolhia a roupa com apuro -calça social, terno branco,
gravata borboleta- e, às 10h da
manhã, já estava a postos no
prédio do largo do Arouche.
Durante 23 anos, o garçom José Luiz Amaro, 57, cumpriu religiosamente esse ritual para
preparar o chá dos imortais da
Academia Paulista de Letras.
Mas, desde que as obras de
restauro do edifício começaram, a rotina de Zé Luiz não é
mais a mesma. Operários e arquitetos tomaram o lugar dos
escritores ilustres e, há seis meses, trabalham para recuperar o
teto do auditório, que ruiu em
2007. A intenção do presidente
da casa, o desembargador José
Roberto Nalini, era reinaugurar no aniversário de cem anos
da instituição, celebrado no último dia 27. Não deu tempo.
Alguns percalços com o orçamento deixaram as obras para
mais tarde. A previsão agora é o
primeiro semestre de 2010.
Imponente, o saguão da sede,
inaugurado em 1953 e nunca
antes restaurado, está coberto
de poeira. Suas salas, projetadas em estilo art decó, andam
quase desertas. Mas a Academia não suspendeu os encontros de quinta, frequentados
por seus membros vitalícios.
Em vez disso, os imortais se
valeram do pretexto para saracotear por aí. Nos últimos meses, visitaram, por exemplo, a
Casa das Rosas e o Museu da
Língua Portuguesa.
As donas do jogo
Tão logo sabem da sua chegada, os acadêmicos se alvoroçam
e acorrem para recebê-la. Desde que fraturou o fêmur em julho, Lygia Fagundes Telles, 86,
não comparecia a uma das sessões externas. Apoiada em uma
bengala, ela recebe paparicos e
perguntas sobre sua saúde.
Apesar de ainda estarem em
minoria -apenas quatro cadeiras na Academia são ocupadas
por mulheres-, elas são o centro das atenções. Também saudada efusivamente, a folclorista Ruth Guimarães, 90, não falta a nenhuma das reuniões.
Mãe de nove filhos, Ruth fez
malabarismos para conciliar as
atividades como professora e
jornalista -escreveu crônicas
para a Folha durante 14 anos-,
ao trabalho como escritora e
tradutora. Em junho de 2008,
foi a última mulher a ser eleita.
Tradições paulistas
A despeito das pequenas
transformações, a Academia
continua a mesma. Pelo menos
é o que garante um de seus mais
antigos personagens: Paulo
Bonfim, membro decano da
Academia, eleito em 1963.
O poeta Paulo Bonfim, 83,
descreve a razão para a estabilidade dos costumes: "A Academia é o lugar de preservação
das tradições paulistas". Ele vê
com bons olhos as reuniões fora. "Tornam a Academia mais
popular. Mais gente poderia conhecer a biblioteca, uma das
mais importantes da cidade."
Nas estantes, estão guardados mais de 100 mil títulos. Entre eles, muitos livros raros e
uma coleção de manuscritos.
Há ainda cartas preciosas, como a escrita por dom Pedro 1º
para a marquesa de Santos.
Apesar de aberto ao público, o
acervo é pouco procurado. Maria Luiza de Souza Lima, 73, é a
bibliotecária que cuida de tudo.
Lygia Fagundes Telles aponta que a conquista de novos públicos é justamente o maior desafio da instituição centenária.
"Está cheio de autores. A nova
luta é para recuperar o leitor."
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