São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
Dinheiro que cai do céu

Para melhorar a seleção de seus funcionários, a empresa aérea TAM decidiu incluir um novo critério -a taxa de bondade social dos candidatos.
O Departamento de Recursos Humanos sinaliza preferência a quem exerça trabalhos comunitários voluntários.
Por trás do critério há um raciocínio prático, longe dos dons celestiais: os indivíduos que apreciam a filantropia teriam melhor preparo para lidar com o público.
Logo, seriam apreciados pela clientela comercial, atraindo satisfação e, por consequência, lucro.
"É um bom negócio para o país uma empresa estimular trabalho comunitário. Mas também é um bom negócio para nossa empresa" afirma Rolim Amaro, dono da TAM.
Exceção?

Especialista em estudos de filantropia, o professor Stephen Kanitz, da Faculdade de Administração da Universidade de São Paulo, está convencido de que a tendência veio para ficar.
Kanitz também conhece o outro lado do "balcão"; por vários anos, editou publicação intitulada "Maiores e Melhores", com uma análise do desempenho das empresas brasileiras.
Ele detecta crescente número de empresas incluindo na seleção o quesito responsabilidade social -especialmente entre empresas multinacionais.

Na era da economia dos serviços, o sorriso do funcionário é a diferença entre ganhar ou perder um cliente.
"Funcionários que têm prazer em servir o público valem ouro no atual estágio da economia", diz ele.
Se o indivíduo gosta de servir numa situação de extrema escassez, com crianças, mulheres ou idosos no limite do desespero, certamente terá menor dificuldade de se adaptar numa empresa; ali, vai contar com mais recursos.
O estresse ambiental não vai parecer tão devastador para quem se dispõe a brigar numa favela ou numa creche.
Tem lógica? Tem.

A tendência é, agora, captada em números mais precisos.
Foi concluída neste mês a mais abrangente pesquisa já realizada no Brasil com dirigentes e altos funcionários dos mais variados tipos de empresas, escolas e mídia sobre o perfil ideal do trabalhador -o levantamento foi assessorado pelo professor José Pastore, um dos maiores especialistas brasileiros em tendências do mercado de trabalho.
No item "habilidades", a vocação comunitária apareceu com destaque. Na parte sobre personalidade, deu "ser ético", quase empatado com o primeiro colocado ("ser flexível").
É, assim, uma característica que passa a ser decisiva na hora de conseguir emprego, por melhorar a qualificação -afinal, faz parte do aprendizado sobre como lidar com conflitos.

Ainda pouca gente percebe que está em andamento uma reviravolta das novas qualificações profissionais.
Em essência, essa mudança mostra que se tornam indissociáveis cidadania e economia; estão enterrando os técnicos supostamente competentes, mas tapados.
Significa que trabalho voluntário também se aprende na escola. Não é doação apenas. Mas conhecer a realidade.
Já há no Brasil grupos de educadores dispostos a dar crédito escolar, no final do ano, aos alunos que façam parte de programas para mudar a vida de suas comunidades.
O que, diga-se, é uma excelente idéia; até porque vão aprender mais da realidade do que lendo muitos livros.
Há anos tenho tido contato com jovens que realizam serviços comunitários. Dá para perceber rapidamente como desenvolvem o senso de liderança, o gosto por desafios, a ousadia e a articulação.

Deveria ser especialmente obrigatório nas universidades públicas.
Seria uma forma de os universitários retribuírem à sociedade a chance que ganharam de estudar de graça -eles custam por mês algo em torno de R$ 1.000.
Aliás, nos Estados Unidos há uma série de universidades (Harvard, por exemplo) que, entre suas inúmeras exigências, pedem a ficha de serviços comunitários dos candidatos.
Para cada 100 alunos que entram na Faculdade de Administração de Harvard, a elite das elites, 80 desenvolvem projetos em filantropia.

Ao deixar os Estados Unidos, no início deste ano, saí convencido de que uma das razões para a grandeza do país é justamente a vocação ao trabalho comunitário dos seus cidadãos.
Lá, quem não tiver algum tipo dessa atividade é tido como algo parecido a subcidadão.
Nós, que importamos tantas tendências idiotas dos países desenvolvidos, bem que poderíamos ser influenciados por essa vocação.

PS - Preparei uma pasta com artigos relacionando voluntariado e emprego. Além de artigos, sites: um deles informa qual a entidade mais próxima de seu trabalho ou casa. O material está na página do aprendiz, onde se pode encontrar a íntegra da pesquisa realizada com formadores de opinião sobre o trabalhador do amanhã.


E-mail: gdimen@uol.com.br

Aprendiz:
www.aprendiz.com.br



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