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VENTINHO BOM
Brasil tem cerca de 300 mil naturistas -o dobro de cinco anos atrás-, número modesto pelo tamanho da costa
Praias de nudismo abrigam público eclético
PAULO SAMPAIO
DÉBORA YURI
DA REVISTA
Mar, areia, sol, corpos dourados. O Brasil não seria Brasil, no
imaginário tupiniquim ou globalizado, sem suas milhares de
praias e mulheres de biquínis minúsculos, quase virtuais. Mas com
toda essa fama, e por mais experimentado que seja o freqüentador
do litoral, ele fica corado (não
bronzeado) diante de uma categoria de praias que ainda o intimida: as naturistas.
Não adianta: por mais maduro
que o movimento nudista queira
parecer no Brasil, a tribo dos que
usam sungão e biquíni, maioria
arrasadora da população, ainda
reage com uma espécie de curiosidade infantil quando alguém diz
que esteve em uma praia dessas:
"Como é: fica todo mundo pelado
mesmo?"; "Tem mulher bonita
ou só gente pelancuda?"; "Muito
gay?"; "O povo transa na praia?".
Isso mostra que não é tão fácil
conciliar a indiferença européia
com o fantasioso inconsciente coletivo dos trópicos. Se na Alemanha, onde o naturismo surgiu no
início do século 20, vovós e netinhos promovem alegres convescotes com as partes ao léu, aqui
embaixo, a indefinição é o regime,
como diz a canção.
O número de praticantes do
movimento no Brasil dobrou nos
últimos cinco anos, segundo a Federação Brasileira de Naturismo.
Calcula-se que hoje existam cerca
de 300 mil naturistas espalhados
pelo país -levando-se em conta
a dimensão da costa brasileira,
um percentual ainda muito pequeno. O movimento não se restringe às regiões litorâneas do
país. É cada vez mais comum Estados sem praia criarem suas associações, como clubes e ranchos
onde a prática é permitida.
O litoral brasileiro tem diversas
categorias de praias naturistas.
Nas "toleradas", a prática é aceita
e não existem regras de conduta
nem fiscalização. As "eventuais"
são geralmente desertas, isoladas
e de difícil acesso. Nas "oficiais", a
prática é referendada pela prefeitura. Essas são as mais sérias e rígidas, contam com associação, legislação de proteção aos naturistas, manual de normas de conduta e, geralmente, fiscalizadores.
No litoral brasileiro, há apenas sete: Pinho, Galheta e Pedras Altas,
em Santa Catarina; Abricó, no Rio
de Janeiro; Barra Seca, no Espírito
Santo; Massarandupió, na Bahia;
e Tambaba, na Paraíba.
São as oficiais (nem todas) que
normalmente abrigam uma "subcategoria": as praias "pudicas" ou
"caretas", que proíbem a entrada
de homens sozinhos e casais gays.
Seu público costuma ser uma
mistura de famílias e casais héteros comportados.
Já as de "azaração", ou "pegação", recebem um público misto,
que pode estar a fim de ver e ser
visto (ou pegar e ser pego) sem a
repressão de patrulheiros. Acolhem pessoas de qualquer orientação sexual. Nem sempre a convivência é tranqüila. De um lado,
ficam os adeptos, uma população
fixa, que cultiva a filosofia de interação com a natureza. Do outro,
há turistas, curiosos, iniciantes e
os visitantes indesejáveis, mais interessados na sacanagem.
Embora as perguntas do segundo parágrafo possam soar blasfêmicas aos ouvidos naturistas, elas
não são assim tão descabidas.
Respondendo aos curiosos, sim,
na maior parte das vezes todos
têm de ficar pelados (a exceção
entre as cinco praias visitadas pela
reportagem é Galheta, em Florianópolis, onde a nudez é opcional);
sim, a idéia é não dar importância
ao "corpo físico" e por isso as "pelancudas" são tão bem-vindas
quanto as do tipo violão; sim, há
muitos gays na praia, e, finalmente, sim, boa parte deles e também
alguns casais novidadeiros parecem ser mais chegados a uma
transa nas pedras do que à beleza
da natureza.
A tentativa de interdição ocorre
em outros lugares, ignorando o
aspecto legal. Nas praias em que o
naturismo é oficializado, a lei autoriza a prática, mas não dá aos
adeptos o direito de obrigar os visitantes a tirar a roupa, atitude comum em parte delas.
"Entende-se que eles estejam
tentando proteger o grupo de alguém que não respeite seu código
de ética e tenha uma atitude ostensiva, de abordagem sexual invasiva etc. Mas impedir a entrada
de quem quer que seja, vestido ou
não, é absolutamente ilegal. A lei
autoriza a pratica do naturismo,
não a privatização do local", explica o advogado Hedio Silva Jr,
doutor em direito institucional
pela PUC-SP.
A nudez impositiva não é o único aspecto que destoa da filosofia
corpo & natureza & harmonia
pregada pelos movimento. O que
fazer com a numerosa fatia GLBT
dos freqüentadores é outro grande problema, segundo Elias Alves
Pereira, 60, presidente da federação. "Não podemos discriminar
ninguém, nem gays nem lésbicas,
temos de aceitá-los, mas esse é um
assunto muito polêmico no
meio", diz. "Os adeptos ainda
criam muita resistência. A praia
naturista é um modelo para a família, então eles dizem: "O que
vou dizer para o meu filho de oito,
nove anos, se chegarem dois homens e começarem a se beijar na
nossa frente?"."
"Separar os gays do resto da
praia é um absurdo, é crime.
Aqui, temos o maior respeito pela
orientação sexual, e só tira a roupa quem quer", defende a gaúcha
Suela Dili Bretanha, 54, tesoureira
da Associação Amigos da Galheta, de Florianópolis.
Em Massarandupió, uma das
"oficiais", dois homens tentaram
em vão entrar: foram expulsos
por dois patrulheiros, que se auto-proclamam "xerifes". "São
duas bichas", explicou um dos diretores à reportagem, negando-se
a dar seu nome completo. "O problema é que bicha não controla a
"feminilidade". Já lésbicas são
bem-vindas." Por quê? "Lésbicas
são sensuais, bichas são agressivas", acredita. (Como se vê, tirar a
roupa é mais fácil do que despir-se dos preconceitos.)
Colaborou Roberto de Oliveira
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