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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Justiça recorre ao Código Penal, de 1940, e à Lei de Entorpecentes para condenar membros de associações criminosas

Legislação brasileira não define o delito

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

À falta de uma definição do que é crime organizado nas legislações penal e processual do país, para condenar membros de associações criminosas como as lideradas pelos traficantes Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Leonardo Dias Mendonça, a Justiça tem recorrido ao velho Código Penal, de 1940, e à Lei de Entorpecentes, que em outubro completará 27 anos.
É o caso dos dois processos da 1ª Vara Criminal de Duque de Caxias (Baixada Fluminense) que relacionam Beira-Mar e outros 38 réus ao tráfico de drogas.
Líder de uma organização criminosa com ramificações no exterior (Colômbia e Paraguai) e postos definidos de comando, distribuição e armazenamento de mercadorias, Beira-Mar foi denunciado por tráfico e associação para o tráfico, crime da Lei de Entorpecentes (6.360/76) que equivale ao de formação de quadrilha no Código Penal.
Fosse na Itália, Beira-Mar estaria sendo processado pela prática de crime organizado (crime de associação delinquencial de modelo mafioso, na definição italiana), diz o juiz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas. As penas e os regimes prisionais seriam mais rigorosos.
No Brasil, é diferente. A Lei do Crime Organizado (9.304/95) não define o que é crime organizado. Ela somente regulamenta procedimentos operacionais durante o processo. Serve à Justiça na investigação (interceptação telefônica, quebra de sigilos e prisão provisória, principalmente), mas não estipula as penas.
Uma das críticas à lei é que seu artigo 1º equipara organizações criminosas a quadrilhas ou bandos. No sexagenário Código Penal, a formação de quadrilha ou bando (mais de três pessoas) resulta em pena de 1 ano a três anos de prisão.
O caso dos bicheiros do Rio -talvez a forma mais estabelecida e antiga de organização criminosa do país- evidencia a falta de uma legislação penal para o crime organizado.
Em maio de 1993, a juíza estadual Denise Frossard (hoje deputada federal pelo PSDB do Rio) condenou 14 chefões do jogo do bicho por formação de quadrilha. Como os bicheiros compareciam a audiências com seguranças armados, a juíza aplicou a pena máxima prevista no Código Penal. Eles foram condenados a seis anos de prisão (quando a quadrilha é armada, a lei prevê o dobro da pena). Dez anos após o histórico processo, o procurador aposentado Antônio Carlos Biscaia (hoje deputado federal pelo PT do Rio) lembra que a condenação por formação de quadrilha foi o modo encontrado pela juíza para condenar os bicheiros. As investigações policiais de crimes dos quais eles eram acusados, como homicídios e tráfico de drogas, não avançaram.
Em dezembro de 2000, o Brasil subscreveu o documento final da Convenção de Palermo sobre Criminalidade Organizada, firmando a disposição de adotar o modelo italiano de combate ao crime. Passados mais de dois anos, o Legislativo ainda não apreciou a questão.
No crime organizado, segundo a convenção, há controle social e de território e poder de intimidação por parte dos criminosos, entre outras características. As quadrilhas ou bandos da legislação nacional são rudimentares. A associação para o tráfico é limitada a essa modalidade criminosa.
Para o desembargador José da Gama Malcher, 70, a Lei do Crime Organizado confunde quadrilha com organização criminosa. "É preciso que a lei defina o que é organização criminal. Às vezes, são simples quadrilhas. A lei precisa de reparos", disse ele, que presidiu o Tribunal de Justiça do Rio em 1996 e 1997.
Talvez o modelo mais consistente de crime organizado no Brasil seja o de Leonardo Dias Mendonça, empresário preso em dezembro do ano passado e condenado a 23 anos de prisão por tráfico em Mato Grosso.
De acordo com as investigações policiais e do Ministério Público, Mendonça montou um esquema de tráfico com conexões no Paraguai, Colômbia, Suriname e Guiana, em oito Estados e no Distrito Federal. Na organização, atuavam pelo menos 27 pessoas, processadas por associação para o tráfico.
Suas ramificações iam, possivelmente, ao Legislativo (o ex-deputado federal Pinheiro Landim, que renunciou duas vezes, nega envolvimento com a organização) e ao Judiciário. Suspeito de favorecer Mendonça, o desembargador federal Eustáquio Silveira foi afastado de suas funções no TRF (Tribunal Regional Federal) do Distrito Federal.
Para o juiz federal Abel Gomes, autor da monografia "Crime Organizado e suas Conexões com o Poder Público" (livro "Crime Organizado", publicado em 2000 pela editora Impetus), o crime organizado se infiltra em órgãos oficiais. "O criminoso precisa neutralizar os meios de prevenção e combate. Isso quase sempre se dá com corrupção."

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