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DANUZA LEÃO
Difícil felicidade
É uma aflição, um medo de que nada dê certo, que você está sonhando, vai acordar e ver que não é nada daquilo
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EXISTEM momentos -raros, é
verdade- em que tudo está
bem. Bem, não: ótimo. A casa
finalmente ficou pronta, os gatos estão com saúde, os filhos bem e felizes, faltam só 15 dias para a viagem marcada há seis meses -e a passagem parcelada já está paga-, a saúde
em forma total e, como se não bastasse, uma proposta de trabalho nova e sedutora -e sem ter que deixar
o atual trabalho. A vida está tão boa
que chega a dar uma agonia. E isso é
normal? Não, diria a maioria das
pessoas. Sim, afirmam os mais habituados a conviver com as profundezas da alma.
É bem verdade que esses tempos
são raros, e normalmente, até bobagens como a máquina de lavar roupa
que está com defeito é um estresse.
Mas quando eles acontecem são difíceis de suportar. A palavra é essa
mesma: suportar.
É uma aflição, um medo de que
nada dê certo, que você está sonhando, vai acordar e ver que não é nada
daquilo, que a realidade não é assim,
que existem problemas de todos os
tipos o tempo todo e que nem o direito ao silêncio de sua casa você
tem. Quando chega tem que ver os
recados da secretária eletrônica,
abrir o computador para ver os e-mails, e o mais normal é receber
uma notícia que pode não ser péssima, mas será suficiente para perturbar sua santa paz. Que o ar-condicionado do quarto não está funcionando, por exemplo.
Mas tudo isso é normal, tão normal que não chega a causar nenhum
abalo maior. Faz parte do dia-a-dia,
faz parte de todos os dias, isso sem
falar de uma dor de coluna, do brinco que sumiu, do lençol que manchou com água sanitária.
Mas tem aqueles dias maravilhosos em que tudo dá certo, e que o futuro, tudo indica, vai ser melhor ainda do que o presente. É curioso que
esses dias nunca têm a ver com um
homem maravilhoso que você conheceu na véspera. Esse tipo de encontro não costuma trazer paz, e
sim angústia, ansiedade, insegurança, taquicardia, aflição. Não, esses
grandes momentos acontecem apenas com nós mesmos, na nossa mais
profunda -solidão? Não, solidão
não é a palavra certa. É um sentimento de você com você mesmo,
que não é compartilhado com nenhum ser humano e que prova que,
apesar do que dizem, ninguém precisa de ninguém para ser feliz de verdade. Para ir a um cinema, comer
uma pizza, trocar uma idéia sobre as
infidelidades públicas dos políticos
americanos, até aí se vai. Mas para
ser feliz mesmo, para se ser profundamente feliz, não se precisa de ninguém, e o que pode parecer uma tragédia para alguns, é uma liberação
para outros.
Não que só você seja feliz o tempo
todo, mas existem aqueles momentos em que se é totalmente feliz, e é
aí que as coisas se complicam. Como
nada é fácil, você começa com a culpa, claro. Como ser feliz com tanta
gente sofrendo? E aí começa o medo, o grande medo, aquele de perder
a felicidade que está sentindo.
Para isso se apela para tudo: fazer
uma aula de ginástica, tomar um
tranqüilizante ou não fazer rigorosamente nada e ficar deitado na cama olhando para o teto, só sendo feliz e mais nada. Mas isso não dá porque os pensamentos não deixam, e a
vontade é que aconteça alguma coisa que traga você de volta para o
mundo imperfeito em que vive; a televisão quebrar já seria o suficiente.
Ser infeliz é muito ruim, mas ser
feliz é muito difícil.
danuza.leao@uol.com.br
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