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ARTIGO
Acidentes: é um erro perigoso culpar a natureza
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando do acidente da estação Pinheiros da linha 4 do metrô paulista, divulguei artigo
dentro dessa mesma temática.
Hoje, com o início da divulgação dos laudos encomendados
para o diagnóstico do referido
acidente, sinto-me obrigado a
voltar ao tema. E, da mesma
maneira, não me move a intenção de acusar ou julgar nenhuma das partes envolvidas, ou
sequer contrapor-me a qualquer opinião publicada sobre as
causas do acidente.
Move-me apenas a intenção
de esclarecer o papel e resguardar a imagem da geologia e da
engenharia brasileiras, como
também colaborar para que esse, como os demais acidentes,
ao menos cumpram sua intrínseca função histórica de proporcionar o avanço dos conhecimentos técnicos e gerenciais relacionados a empreendimentos de engenharia.
O que ocorre de êxito ou fracasso em uma obra de engenharia está intimamente associado
à ação humana. Não é correto
que se debite comodamente a
fatores da natureza ou a deuses
e demônios responsabilidades
que são intrinsecamente humanas. Esse cacoete de se lançar a responsabilidade por um
problema mais sério a imprevistos geológicos ou pluviométricos é, em sua essência, desprestigioso com os profissionais da engenharia brasileira.
Frente à insistente repetição
dessas fáceis e comuns explicações, questiona naturalmente a
sociedade: "Mas, afinal, para
que servem então engenheiros,
geólogos e arquitetos, se uma
obra é assim tão vulnerável a
esses tais imprevistos geológicos ou pluviométricos? Onde
raios eles estavam que não perceberam isso?". Mais, satisfazer-se em culpar a natureza e
não identificar as verdadeiras
causas de um acidente constitui um ato conivente com a real
possibilidade de ocorrência de
novos acidentes similares.
Obviamente há casos, a cada
dia mais raros, em que possam
surgir fatos geológicos e geotécnicos novos, especialmente
quanto a comportamentos ainda desconhecidos ou pouco conhecidos de certas feições ou
materiais geológicos. No entanto, com a experiência acumulada no conhecimento geológico-geotécnico proporcionado pela implantação de seguidos e diferenciados empreendimentos, no Brasil e no
mundo, e especialmente em regiões geológica e geotecnicamente já bastante conhecidas e
mais intensamente afetadas
por empreendimentos, como é
o caso da região metropolitana
de São Paulo, essa possibilidade
tende exatamente a zero.
Por fim, não poderemos erroneamente caracterizar como
um imprevisto geológico uma
feição geológica que poderia e
deveria ter sido detectada preliminarmente ou no andamento da própria obra e não o foi,
por alguma deficiência de procedimentos e investigações.
Na engenharia, há uma regra
inexorável: se houve acidente,
houve uma falha. Essa falha pode ser de diversas ordens: erros
nas investigações e informações técnicas (dados de entrada) para o projeto, erros de projeto, erros no plano de obra, falhas nos processos construtivos, deficiência em materiais
empregados... A redução da
margem de ocorrência de erros
é uma meta que a boa engenharia persegue com obstinação
dentro de uma verdadeira cultura e procedimentos de segurança. E, ao lado de uma provada competência dos técnicos envolvidos, o maior instrumento para essa redução está em
um eficiente e onipresente plano de gestão técnica do empreendimento, desde a fase dos
estudos preliminares até a entrega da obra acabada e seu futuro plano permanente de monitoramento técnico.
No caso da geologia, até a
probabilidade de se encontrar
durante o andamento da obra
alguma feição particular não
anteriormente detectada deve,
obrigatoriamente, ser considerada nos cuidados do plano de
obra e dos processos construtivos, que, para tanto, devem
sempre ser acompanhados por
um consistente programa de
monitoramento e investigação
geológica complementar.
Sempre lembrando que a
frente de obra constitui a oportunidade mais espetacular e
propícia para a confirmação ou
não dos levantamentos anteriores, como para investigações
complementares que se mostrem convenientes.
Ou seja, em defesa dos profissionais brasileiros em hidrologia, hidrogeologia, geologia e
geotecnia, que colocaram o país
em nível internacional de competência nessas áreas, e em defesa dos interesses maiores da
sociedade brasileira, apelamos
às autoridades públicas e privadas. Autoridades relacionadas a
qualquer tipo de acidente em
obras de engenharia que não
capitulem diante dos impulsos
naturais em buscar explicações
e justificativas que lhes eximam de alguma responsabilidade e tenham a disposição de
colocar em questão também fatores não diretamente técnicos, investigando criteriosamente o plano de gestão dos empreendimentos afetados.
Por certo, a eventual contaminação e comprometimento
de um ambiente de obra por
um clima de trabalho antagônico ao prevalecimento da cultura da segurança e da boa técnica, como ocorre nas frentes de obra que buscam compulsivamente a aceleração de prazos
de entrega e/ou a redução de
custos, promove temerariamente a possibilidade de ocorrência de falhas ou descuidos.
É interessante investigar
também as conseqüências técnicas de um eventual excesso
de terceirizações dos mais variados tipos de serviço de engenharia. A partir de um determinado ponto, um excesso de terceirizações não comprometeria a gestão da qualidade global
do empreendimento? É muito
provável que aí estejam as deixas para entender melhor os
acidentes que vêm ocorrendo
com alguma freqüência em empreendimentos brasileiros de
engenharia e, por dedução, para se evitar novos acidentes.
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS é geólogo
e ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT
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