São Paulo, segunda, 30 de março de 1998

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MEGAINCÊNDIO
Ianomâmis afirmam que a fundação deveria usar os pajés locais e não caiapós, como será feito
Funai "importa' índios para dança da chuva

ALTINO MACHADO
da Agência Folha, em Boa Vista

Lideranças indígenas de Roraima criticaram ontem a Funai (Fundação Nacional do Índio) por se valer de supostos poderes sobrenaturais de dois pajés e duas crianças da etnia caiapó para fazer chover na região.
A equipe para celebrar o "ritual da chuva", liderada pelo cacique Mengaron, estava sendo aguardada ontem em Boa Vista por funcionários da Funai. Hoje ou amanhã, a equipe será transportada de avião à reserva ianomâmi.
"Não faz sentido gastar dinheiro público com algo um tanto absurdo, quando a estiagem e o fogo estão deixando os índios sem ter o que comer", disse Adalberto Silva, 39, vice-presidente do CIR (Conselho Indígena de Roraima).
Silva diz que teria sido melhor se a Funai tivesse comprado comida ou remédio com a verba que será gasta com a equipe do "ritual da chuva". "O Mengaron é um funcionário da Funai e certamente os outros também são e moram em Brasília", disse o diretor do CIR.
A decisão da Funai deixou perplexos os ianomâmis, que têm seus próprios xaboris (pajés). "Nós não vamos entender xabori caiapó, porque caiapó é uma nação diferente", disse João Davi, 36, líder da aldeia Papiú Novo (a 285 km de Boa Vista). "Não entendemos por que vão trazer crianças."
Davi, que está sendo iniciado como pajé, disse que sua etnia faz rituais durante os quais recorre aos "espíritos da natureza" para fazer chover. "A Funai quer aparecer à custa de nosso sofrimento. A gente nem sabia que iam fazer isso."
"Ainda pedimos aos espíritos para mandar chuva. A Funai podia reunir os xaboris ianomâmis num mesmo lugar, e não trazer de uma nação diferente", disse.
O administrador da Funai, Walter Blos, considerou "natural" a realização do "ritual da chuva". O chefe da Operação Ianomâmi, Marcos Vinícius Ferreira, 30, diz que a sugestão de fazer chover em Roraima teria sido de Mengaron. "Decidimos facilitar essa ajuda espiritual aos ianomâmis", disse.

Ciência
O Exército também estuda fazer chover, mas usando técnicas científicas. A 1ª Brigada de Infantaria de Selva pediu à Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia) um técnico para avaliar a possibilidade de provocar chuva na região.
A assessoria de comunicação da brigada informou que o representante da fundação deve chegar durante a semana. De acordo com a brigada, a Funceme é conhecida no Nordeste por suas técnicas de bombardeamento de nuvens para provocar chuva.

Alarme falso
Ontem, às 18h50 (horário local, 19h50 no horário de Brasília), choveu em Boa Vista por cerca de dois minutos. A chuva chegou a animar alguns pedestres e motoristas que estavam na rua.
Cinco pessoas que viajavam na caçamba de uma camionete em frente ao Palácio do Governo, gritaram "Viva! Olha a chuva!".
Alguns pedestres aplaudiram, e alguns motoristas buzinaram. Mas a alegria durou pouco. A quantidade de chuva não possibilitou nem mesmo a formação de poças ou de enxurrada.
A água da chuva apenas deixou marcas esparsas sobre o chão e as capotas dos carros. O céu continua encoberto, como está há alguns dias devido à fumaça dos incêndios que cobre Boa Vista.
Hoje deve chegar a Roraima o deputado federal Fernando Gabeira (PV-SP), membro da comissão de meio ambiente da Câmara.



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