São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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VIOLÊNCIA NO CAMPUS

Veteranos acusam calouro de fazer disparo, o que ele nega; alunos trocam ofensas e ameaças na internet

Polícia investiga tiro durante trote na Uerj

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A Polícia Civil e a Faculdade de Medicina da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) investigam um suposto tiro dado no mês passado no campus por um calouro revoltado com abusos de um grupo de veteranos no trote. O incidente, mais que um registro policial, está levando alunos e a direção a rediscutir os limites das brincadeiras a que são submetidos os novos estudantes.
O assunto divide opiniões na faculdade e repercutiu em um fotoblog de alunos na internet. Algumas mensagens, anônimas, dizem que "tudo isso começou com as cotas". Outras ameaçam retaliar o aluno que teria dado o tiro: "Calouro, abre o olho, ou você acha que só você tem uma arma? É você fora da faculdade ou você comendo terra". Depois que a Folha entrevistou os alunos, as mensagens foram retiradas do site.
Há várias versões entre alunos sobre o trote e sobre o suposto tiro. A Folha conversou com o calouro acusado de dar o tiro. Ele negou ter feito isso, mas afirmou que um grupo de quatro alunos, à revelia da comissão de recepção dos calouros e do CA (Centro Acadêmico), tentou obrigar estudantes a participar de atividades extremamente vexatórias.
A mais grave delas teria acontecido na semana do trote, quando um desses quatro estudantes, com os amigos, teria exibido seu pênis para um grupo de calouros e "ordenado" que um deles desse um beijo em seu órgão sexual.
Após ter se negado a participar desse e de outros episódios, a versão do calouro acusado de dar o tiro -que falou sob a condição de não ter o nome exposto- é que ele passou a ser perseguido e que, semanas após o trote, ao ver que eles vinham em sua direção para agredi-lo, ameaçou atirar, mas sem nunca ter estado armado.
"Nunca usei arma na vida e não estava armado, mas, quando vi que vinham na minha direção, pus a mão dentro da mochila e fingi estar armado dizendo que iria atirar. Em seguida saí correndo e não vi mais nada. Só depois soube que haviam me acusado de dar o tiro. É totalmente absurdo."
As opiniões se dividem. O estudante Rafael Cobo, ex-diretor do CA, diz desconhecer relatos de abusos cometidos por veteranos. "As brincadeiras do trote aqui sempre tiveram um sentido de integração. Acho até que a Uerj é uma das mais tranqüilas faculdades em relação a isso. O que aconteceu foi um fato isolado de um calouro que teria se sentido humilhado e teria tido essa atitude [de dar um tiro]. Fiquei abismado quando ouvi [o relato] porque nunca vi nada parecido aqui."
Guilherme Runco, diretor de esportes do CA, concorda. "Não vi violência nas brincadeiras."
A presidente do CA, Vandréa Rodrigues, que participou da comissão de recepção aos calouros, diz que, de fato, há um pequeno grupo mais violento. "Não estou falando em nome do CA, mas posso dizer que tivemos o cuidado para mudar essa cultura mais violenta, que não é apenas de agora. Mas não podemos controlar a atitude individual de cada um e, de fato, há um grupo da faculdade que gosta de aparecer e de mostrar que são fortes. Eles devem ter se sentido incomodados por um grupo de calouros que também chamou a atenção no trote."
Gabriel Santiago, diretor de comunicação do CA, tem posição semelhante. "Não presenciei os casos mais graves, mas a gente sabe que o trote tem tradição de humilhação ao calouro que a gente tentou mudar. Mas infelizmente não são todos que pensam assim e acham que as brincadeiras têm de ser feitas para humilhar."


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