São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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COMPORTAMENTO

Clientes pagam R$ 7 milhões por 500 m2; maquetes têm controle remoto e podem custar até R$ 20 mil

Imóveis de luxo têm mais procura que oferta em SP

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA

Seja bem-vindo ao Brasil sem crise. Aqui não cabe muita gente, mas sobra espaço. Nos lançamentos imobiliários de alto padrão de São Paulo, um apartamento de 500 m2 pode custar R$ 7 milhões e, ainda assim, seu comprador não se aperta: prefere pagar à vista.
Nesses empreendimentos, até o elevador tem pé-direito alto -para facilitar o transporte de estátuas e pianos. Melhor chamar o padrão de "mega".
No lançamento mais comentado do mercado nas últimas semanas, o edifício Parque Alfredo Volpi -com oito apartamentos de R$ 10 milhões cada, no bosque do Morumbi-, o quarto de vestir da senhora mede 30 m2, o equivalente a uma quitinete grande.
Segundo Carla Fernandes, executiva de marketing da Cyrela, construtora que assina o empreendimento, seus principais atrativos são a localização e a planta de 800 m2. "O prazo máximo de financiamento é 36 meses, mas isso não faz diferença para o nosso público", afirma.
Apesar das cifras, quem trabalha no setor diz que há escassez de imóveis de luxo em relação à demanda. Nos últimos cinco anos, foram lançados 132.263 apartamentos na cidade de São Paulo, a um preço médio de R$ 173.301 cada. Apenas 201 deles -ou 0,15% do total- custaram mais de R$ 3 milhões.
Esses megacompradores residem na melhor vizinhança da cidade, mas morrem de medo de dar uma volta a pé no quarteirão: são industriais, banqueiros, pecuaristas, incorporadores, profissionais liberais e emergentes do mercado financeiro, da internet e apresentadores de TV.
É comum um grupo de amigos comprar o prédio todo e depois revender o que sobra para vizinhos convenientes. Pagodeiros, jogadores de futebol e artistas muito exibidos, que ponham em risco a segurança, são evitados.
Luiz Henrique Taboada, superintendente da construtora Cipesa, especializada em alto padrão, lançou há um ano e já vendeu um prédio de 21 apartamentos, cobrando R$ 4.000 o m2. De março pra cá, vendeu outro, de 11 apartamentos, a R$ 10 mil o m2.
No mega-padrão as escalas são proporcionais ao negócio. A maquete tem dimensões amazônicas, o corretor transporta clientes em um jipe blindado e o folder do lançamento, de tiragem limitadíssima, pode custar R$ 200 mil. O comprador chega a pagar 4% do valor geral do empreendimento só com o marketing que o atrai.

Batom, rímel e escova
De saída, quando só há o terreno, os esforços dos corretores se concentram na embalagem de algo que não existe. "O comprador tem de imaginar o prédio, com ele morando, a partir de um pedaço de terra. Nossa função é "vestir", colocar o batom, o rímel, pentear, administrar o sonho", diz Arnaldo Frattini, 40, diretor de atendimento da agência Eugênio DDB, especializada em imóveis.
No folder, há elementos como um casal gargalhando em traje black tie e ambientes com nomes tipo "chapelaria" e "gazebo".
O folder é enviado à casa do cliente em uma embalagem de luxo. "O orçamento desse catálogo é igual ao de um livro de arte. A gente tem que encontrar uma brecha no coração desse comprador e tocar a emoção dele, já que dinheiro não é problema", diz o diretor de planejamento da agência Town Blue, Felipe Pedrosa, responsável pelo lançamento do edifício Quartzo, no Itaim, de apartamentos de R$ 4 milhões.
Na pior das hipóteses, o folder é entregue no local do empreendimento. "O estande deve ser maravilhoso, tipo butique mesmo, com garçons servindo champanhe e uma maquete impactante."
Especialista em "maquetes impactantes", Adhemir Fogassa, 49, monta uma média de 30 por mês e chega a ficar 500 horas em apenas uma. No galpão de 2.000 m2 onde trabalha com 96 funcionários, no Jardim Bonfiglioli, Fogassa explica que algumas maquetes têm até controle remoto. O cliente só não entra e se senta no sofá por uma questão de escala. A maquete pode custar até R$ 20 mil.

Consultor imobiliário
O corretor não pode ser um simples vendedor de apartamentos. Ele precisa conhecer os hábitos do comprador rico, os lugares que ele freqüenta, o que ama.
"O profissional que atende esse cliente é um consultor imobiliário", explica Tomás Salles, diretor de novos negócios da Lopes.
O "consultor imobiliário" faz o possível para acompanhar o comprador. Hélio Steinberg, 40, e Roberto Lopes, 44, sócios-autônomos, pilotam um Mitsubishi Pajero blindado. "O atendimento tem que ser de igual para igual", diz Lopes, que mora em um apartamento de R$ 800 mil.
Ele e Steinberg são encarregados das vendas no edifício George Sand, na rua Frederic Chopin, no Jardim Europa (zona oeste), cujas unidades custam até R$ 17 milhões: o corretor no alto padrão leva de 1% a 2,4% de comissão.
"O cliente gosta de negociar da maneira mais discreta possível", explica Marcos Manhães, 44, que freqüenta o Fasano, circula em um Volvo e atua na imobiliária Coelho da Fonseca, onde faz parte de um seleto grupo de 30 profissionais batizados de "private brokers" ("corretores exclusivos").
Esse é também o nome da revista que a imobiliária lançou em parceria com a Daslu. Distribuída para o mailing de 38 mil nomes da butique, a revista tem editorial assinado pela empresária Eliana Tranchesi e classificados de imóveis que custam até R$ 12 milhões.
A Coelho da Fonseca montou ainda um quiosque na butique. Não há corretores no local, que é monitorado por uma câmera -o "private broker" só surge quando a dasluzete mostra interesse.

Bunker estilo "neo-pós"
O arquiteto Itamar Berezin, 42, autor do projeto do Parque Alfredo Volpi -que custou R$ 250 mil-, é conhecido por desenhar prédios em estilo "neo-pós", o mais associado com o megapadrão atualmente na cidade.
O prédio desse estilo tem pinta de castelo vertical estilizado, com telhadinho francês, janelões que se abrem como portas, varandas amplas e gradeadas e pé-direito alto. A idéia é que a pessoa se sinta na Europa -só que, por causa da violência, há um quê de bunker.
Em visita com corretores a um prédio na praça Pereira Coutinho, em Vila Nova Conceição, a reportagem experimentou na portaria um sistema parecido com o de eclusas fluviais: da calçada até o acesso ao hall social, passou por duas pesadas portas de ferro -a segunda só foi aberta quando a primeira se fechou.
O acabamento é "mega" também. Em um dos empreendimentos, os canos do prédio são revestidos com uma manta anti-ruído, que garante que o morador jamais ouça a descarga do vizinho.

"Perseguida"
Cliente dos sonhos do "private broker", a socialite-pecuarista Helena Mottin vive em um apartamento de 600 m2 que, segundo ela, vale US$ 2 milhões. Apresentada ao empreendimento há cinco anos, pelo amigo-incorporador Paulo Kauffmann, conta que foi "perseguida" até capitular.
"Como mostrei interesse, passei a ver o corretor em todos os lugares a que eu ia. Um dia, estava andando na praia da Baleia e o cara apareceu. Eu disse: "Até aqui?" Tempos depois, assinei a compra para ele parar de me encher a paciência", diverte-se.


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