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WALTER CENEVIVA
Proteção dos inocentes
Poucos direitos importam mais que o da preservação do inocente. Se não for garantido, ajudaremos os culpados
NA CONTROVÉRSIA A respeito
da situação do senador Renan Calheiros, cabe o comentário insistentemente repetido
segundo o qual ninguém tem nada
com sua vida particular, mesmo sendo presidente do Senado. O oposto
se refere à sua conduta pública: todos têm direito de saber das coisas e
de exigir isenta apuração da verdade.
O efeito paralelo desses direitos é
preocupante. Refere-se a pessoas
envolvidas no noticiário, com versões tão diversas sobre seus atos que,
na batalha das informações, não se
consegue separar o inocente do culpado.
É óbvio que nem todos são anjos
ou demônios, mas a tendência é
acreditar no que se fala de mal, em
estranho fenômeno psicológico que
dá origem à transformação dos policiais aprisionadores-com-estardalhaço e dos promotores-acusadores-idem em heróis da mídia.
Nós, os jornalistas, temos de reconhecer nossa contribuição negativa.
Poucos direitos são mais importantes que o da preservação do inocente. Se não o garantirmos, estaremos
ajudando os culpados. Estes, cônscios de sua culpa, insistem na inocência com mais empenho que os
inocentes. José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, em entrevista nesta semana, na Folha, focalizou bem
os riscos da divulgação de nomes e
de comportamentos antes da apuração plena, confundindo-se meros
indícios nas referências a "grampos". No outro pólo está a "guerra
psicológica" do Rio de Janeiro, em
que não se tem apuração, mas confronto armado, no qual o inocente
é tão atingido quanto o culpado, indiscriminadamente, e tem o direito
desconsiderado.
A imputação de culpa ao inocente é agravada pela demora dos processos judiciais, que não lhe dá
chance de reparação adequada em
momento próximo dos fatos, mas
apenas depois de anos de espera
pela absolvição. Os parlamentos
são mais vulneráveis às suspeitas
ante o uso abusivo da imunidade
ou do privilégio de foro.
O rapidíssimo crescimento populacional e a concentração urbana
tornaram os meios administrativos
disponíveis menos eficientes que
os da bandidagem organizada. O
defeito situa-se, em parte, na concentração dos recursos disponíveis
em obras aptas a produzirem resultados eleitorais a cada quatro anos.
O Executivo, em todos os níveis, se
descuida do dever de equipar a investigação criminal, com meios e
pessoal qualificados para apurações rápidas e qualificadas. A Polícia Judiciária (órgão do Poder Executivo, apesar do nome) ainda carece de melhores recursos para investigar, metódica e continuadamente, mas livre das manchetes
escandalosas. Basta pensar nas dificuldades das perícias documentais até a simples colheita de impressões digitais, para medidas que
não dão voto, nem luzes da TV, não
estimulando mais aplicação.
Nada será corrigido sem uma política cuidadosa, que não é difícil.
Há estudos em todos os segmentos
administrativos do Estado, pelos
quais passam a apuração, a acusação, o julgamento dos crimes.
O caso de Calheiros é paradigmático quando se pensa na importância da investigação, seja para acusá-lo, seja para o inocentar, sem
deixar dúvida nem descrença no
povo. O caso do Rio também será
paradigmático, ao se checar os resultados da "guerra". É só esperar.
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