São Paulo, sábado, 30 de junho de 2007

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WALTER CENEVIVA

Proteção dos inocentes

Poucos direitos importam mais que o da preservação do inocente. Se não for garantido, ajudaremos os culpados

NA CONTROVÉRSIA A respeito da situação do senador Renan Calheiros, cabe o comentário insistentemente repetido segundo o qual ninguém tem nada com sua vida particular, mesmo sendo presidente do Senado. O oposto se refere à sua conduta pública: todos têm direito de saber das coisas e de exigir isenta apuração da verdade. O efeito paralelo desses direitos é preocupante. Refere-se a pessoas envolvidas no noticiário, com versões tão diversas sobre seus atos que, na batalha das informações, não se consegue separar o inocente do culpado.
É óbvio que nem todos são anjos ou demônios, mas a tendência é acreditar no que se fala de mal, em estranho fenômeno psicológico que dá origem à transformação dos policiais aprisionadores-com-estardalhaço e dos promotores-acusadores-idem em heróis da mídia.
Nós, os jornalistas, temos de reconhecer nossa contribuição negativa. Poucos direitos são mais importantes que o da preservação do inocente. Se não o garantirmos, estaremos ajudando os culpados. Estes, cônscios de sua culpa, insistem na inocência com mais empenho que os inocentes. José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, em entrevista nesta semana, na Folha, focalizou bem os riscos da divulgação de nomes e de comportamentos antes da apuração plena, confundindo-se meros indícios nas referências a "grampos". No outro pólo está a "guerra psicológica" do Rio de Janeiro, em que não se tem apuração, mas confronto armado, no qual o inocente é tão atingido quanto o culpado, indiscriminadamente, e tem o direito desconsiderado.
A imputação de culpa ao inocente é agravada pela demora dos processos judiciais, que não lhe dá chance de reparação adequada em momento próximo dos fatos, mas apenas depois de anos de espera pela absolvição. Os parlamentos são mais vulneráveis às suspeitas ante o uso abusivo da imunidade ou do privilégio de foro.
O rapidíssimo crescimento populacional e a concentração urbana tornaram os meios administrativos disponíveis menos eficientes que os da bandidagem organizada. O defeito situa-se, em parte, na concentração dos recursos disponíveis em obras aptas a produzirem resultados eleitorais a cada quatro anos. O Executivo, em todos os níveis, se descuida do dever de equipar a investigação criminal, com meios e pessoal qualificados para apurações rápidas e qualificadas. A Polícia Judiciária (órgão do Poder Executivo, apesar do nome) ainda carece de melhores recursos para investigar, metódica e continuadamente, mas livre das manchetes escandalosas. Basta pensar nas dificuldades das perícias documentais até a simples colheita de impressões digitais, para medidas que não dão voto, nem luzes da TV, não estimulando mais aplicação.
Nada será corrigido sem uma política cuidadosa, que não é difícil. Há estudos em todos os segmentos administrativos do Estado, pelos quais passam a apuração, a acusação, o julgamento dos crimes.
O caso de Calheiros é paradigmático quando se pensa na importância da investigação, seja para acusá-lo, seja para o inocentar, sem deixar dúvida nem descrença no povo. O caso do Rio também será paradigmático, ao se checar os resultados da "guerra". É só esperar.


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