São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Amoreiras inteligentes


Querem instalar nas roupas sensores que agitariam o tecido, tentando afastar a fuligem


DESDE DOMINGO passado, cinco amoreiras, todas com frutos apesar da época, estão num trecho da avenida Paulista. Exceto seus inventores, quase ninguém sabe que são árvores inteligentes: movimentam-se sozinhas para tirar a poeira de suas folhas, como se quisessem ficar limpas da poluição. O movimento é regido por sensores, localizados nos galhos, que captam os mais diversos sons -o barulho de um escapamento de moto, por exemplo. "Mais que uma exibição de tecnologia, são peças de arte", afirma Gilberto Prado, coordenador do grupo Poéticas Digitais, responsável pela experiência.
As amoreiras inteligentes são uma síntese da formação do engenheiro mecânico e artista plástico Gilberto Prado, professor de multimeios da ECA (Escola de Comunicação e Artes), da USP.
Com esse olhar, Gilberto Prado criou com seus alunos o grupo Poéticas Digitais, cujos trabalhos fundem a arte às novas tecnologias. Entre suas invenções está uma lâmpada que, usando raios infravermelhos, consegue mudar o movimento dos insetos em volta da luz.
O Instituto Itaú Cultural, que realiza neste mês um encontro internacional de arte e tecnologia ("Emoção Art.Ficial 5.0"), convidou o grupo Poéticas Digitais para apresentar um projeto -as árvores estão em frente àquele espaço cultural.
Como as amoreiras vêm sendo banidas da cidade por "sujarem" as ruas, o grupo imaginou que elas seriam um símbolo da resistência contra a poluição. "Passamos meses cultivando os pés até estarem prontos para ficar na calçada", diz Gilberto, que, em criança, adorava subir em árvores e comer seus frutos.
Desenvolveram para cada árvore um sistema de captação de sons. De acordo com a quantidade de barulho, o tronco, movido por um aparelho instalado em sua base (uma espécie de marca-passo), chacoalha as folhas. "As árvores se comunicam, trocam informações e fazem o movimento."
Instaladas ali, com as folhas que se rebelam contra a fuligem, elas transmitem uma "mensagem poética" em meio à barbárie urbana, barbárie que camufla a sujeira do ar e ameaça acabar com as amoreiras. "Se as árvores da cidade se agitassem para denunciar a sujeira do ar, as pessoas teriam mais consciência do perigo em que vivem."
Se sobreviverem ao vandalismo, as amoreiras vão ficar na avenida Paulista até setembro, quando se encerrará a exposição no Itaú Cultural. Mas o grupo já está escolhendo praças e casas para recebê-las de presente. "Muita gente não as quer por causa dos frutos que caem no chão."
Graças às amoreiras inteligentes, surgiu no grupo mais um projeto que mistura arte com tecnologia para denunciar a poluição em São Paulo. Querem instalar nas roupas sensores que agitariam nervosamente o tecido, tentando, à semelhança das árvores, afastar a fuligem, invisível aos olhos, mas presente no pulmão.
Na visão poética de Gilberto Prado, as pessoas denunciariam a poluição como se suas roupas fossem verdadeiras bandeiras.

PS- Na internet (www.catracalivre.com.br), um vídeo das árvores e o detalhamento da experiência.

gdimen@uol.com.br


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