São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2011

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MINHA HISTÓRIA
CRISTIANO PEREIRA DE SOUZA, 33


MAR EM FÚRIA

Cristiano Pereira de Souza fez 33 anos no dia 18, à deriva em alto-mar . Foi resgatado na segunda, com os outros 5 tripulantes, após ao menos 18 dias perdido devido a uma pane em seu barco. Ontem, 20 kg mais magro, teve alta

Roberto Moreyra/Agência O Globo
Cristiano Pereira de Souza com a mulher e a mãe na igreja de São Pedro, no Rio

RESUMO
Cristiano Pereira de Souza, 33, é um dos seis pescadores que ficaram ao menos 18 dias à deriva após pane na embarcação, que deixara Cabo Frio (RJ) em 27 de maio. Fez aniversário, no dia 18, em alto-mar. Com os demais, foi resgatado na segunda-feira, a mais de 200 km da costa de Santa Catarina -e a 500 km do ponto de partida. Teve alta do hospital ontem e, 20 kg mais magro, foi com mãe e a mulher à Igreja de São Pedro, em Rio Comprido, no Rio, no dia consagrado ao padroeiro dos pescadores. Queria agradecer.

(...)Depoimento a

GUSTAVO ALVES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

O motor [do barco Wiltamar III] parou de funcionar. É como quando você gira a chave do carro e ele não liga. Dois dias depois de o barco quebrar, o GPS também pifou. O rádio já não funcionava.
Tínhamos 20 litros de água. Duraram menos de uma semana -seis dias, porque eu também tinha de cozinhar feijão e arroz para seis pessoas. Depois que a comida acabou, tomávamos uma caneca de água por dia. A boca das pessoas foi ficando branca, ressecada.
Foi o menorzinho da tripulação que falou: "Vamos ter de beber urina".
Primeiro, a gente achou que era uma loucura.
O primeiro copo de urina na boca é horrível. Pior do que boldo. Mas depois você chega a uma altura em que tem de se superar.

TEMPESTADE
Pegamos uma tempestade durante quatro dias diretos, com aquela chuva fina, constante, e vento forte.
E fomos nos afastando do pesqueiro, da região de pesca. Passávamos pelas boias dos outros barcos, entrando para a parte mais funda.

RESISTÊNCIA
Os outros ficaram mais fracos do que eu. Eu pegava um, mexia o corpo dele, fazia ele mergulhar na água. Tentava animar, dizia: "Não vamos desistir!".
Mas também sentei e chorei duas vezes.
E rezei, pedindo para Deus salvar a gente.
Não tem explicação de como aguentei. Foi Deus. Mas eu também tinha mais preparo físico.

CARGA AO MAR
Depois de cinco dias perdidos, descarregamos o barco. Jogamos fora o peixe que tínhamos pescado.
Ele foi se estragando à medida que o gelo que tinha para preservar foi derretendo.
O mestre do barco [Zenildo de Oliveira Pacheco, 31] chegou a ter a ideia de deixar todo o peixe para o dono do barco ver que a gente tinha pescado. Pescamos atum e dourado.
Jogar os peixes fora deixou a gente mais cansado. Cada um tinha uns 60 quilos. Acho que tínhamos pescado umas três toneladas.

DISCUSSÃO
Teve discussão logo depois que o barco quebrou.
Uns quiseram culpar o mestre do barco. Eu disse: "Tem que ficar calmo, senão vai piorar".

GARGANTA
Eu tentava pescar algum peixe pequeno, que ia comer o musgo do casco da embarcação. Usava para isso uma rede pequena. Dava para eles [os outros tripulantes], mas a garganta deles travava. Não dava para comer.

RESGATE
A gente viu o Marola [navio mercante de bandeira italiana que os resgatou] de 5h às 6h de segunda.
Quando avistei o barco, comecei a balançar o colete salva-vidas. Não tinha nem força para subir no navio.


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