São Paulo, sábado, 30 de julho de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Não é caso de impeachment

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Aos poucos vem chegando à tona a discussão sobre a possibilidade de ser votado o impedimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele mesmo pôs lenha na fogueira quando disse que métodos postos em prática pelo PT, na arrecadação de dinheiro para a última campanha eleitoral, são iguais aos de todos os partidos políticos. Se forem iguais, será impossível evitar o reexame histórico das eleições, desde a retomada democrática, nas quais o petismo foi orgulhoso critico ético de seus oponentes.
Apesar dos fatos dos últimos dias, não se detecta elemento relevante na conduta do presidente da República, apto a dar motivo constitucional a seu impeachment. Para separar a opinião, agora emitida, de qualquer proximidade temporal, preciso dizer que em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 3ª edição, 2003), lembrando o artigo 86 da Carta Magna, afirmei que a responsabilização do presidente enquanto vigente o mandato, mesmo em eventuais licenças, é limitada aos atos e às omissões dele, inerentes diretamente às suas funções, ou seja, próprios e conseqüentes delas. Mesmo nos crimes comuns o chefe do Executivo não é sujeito a qualquer forma de prisão ou de detenção preventiva.
Feita a distinção entre crime comum e de responsabilidade, cabe explicar melhor porque não me parece possível, ao menos por ora, enquadrar o presidente em processo de impedimento. Percorrendo os sete incisos do artigo 85 da Carta, verifica-se que Lula não atentou contra a existência da União, não limitou o livre exercício dos outros poderes e do Ministério Público, não sacrificou a segurança interna do país, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Se o leitor contar as alternativas acima verá que só mencionei cinco. Excluí dois incisos do artigo 85 porque sua interpretação é mais delicada. Lula terá atentado contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais? Se atentou (inciso III), poderá ser impedido. Lula terá ofendido a probidade da administração? Se ofendeu (inciso V), poderá ser retirado da Presidência.
No primeiro enfoque, vistas as denúncias dos dinheiros de campanha, as verbas eleitorais foram manuseadas pelo partido, e não pelo presidente. Ainda que tivessem sido por ele, quando era apenas candidato, não seria removível do cargo, ante a exclusiva responsabilização por atos próprios do exercício do mandato. Vale dizer, depois da posse.
No segundo enfoque, os desmandos revelados pelo deputado Roberto Jefferson (e, aos poucos, comprovados) não se vincularam, até aqui, a ações do presidente Lula, com ofensa à "probidade da administração". Esta expressão merece leitura cuidadosa. Probidade de uma pessoa natural é sua honradez, sua integridade moral. Na administração é mais que isso: consiste na perfeita qualidade dos atos do governante, em face dos interesses gerais cuja defesa e licitude exigem sua atenção permanente.
Em resumo, pode até dar-se que surja na vida de Lula-presidente algum fato maior (até menor ou ínfimo), até aqui não caracterizado, que configure ofensa a um dos dois incisos mencionados. Nesse caso, teremos todos de reavaliar sua conduta, em face da Constituição, para saber se retornaremos às lutas e aos escândalos do processo impedidor. Se o Brasil retomar esse caminho, Lula e o PT estarão bebendo doses do remédio que eles mesmos aplicaram aos seus adversários.


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