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LETRAS JURÍDICAS
Não é caso de impeachment
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Aos poucos vem chegando
à tona a discussão sobre a
possibilidade de ser votado o impedimento do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Ele mesmo
pôs lenha na fogueira quando
disse que métodos postos em prática pelo PT, na arrecadação de
dinheiro para a última campanha eleitoral, são iguais aos de todos os partidos políticos. Se forem
iguais, será impossível evitar o
reexame histórico das eleições,
desde a retomada democrática,
nas quais o petismo foi orgulhoso
critico ético de seus oponentes.
Apesar dos fatos dos últimos
dias, não se detecta elemento relevante na conduta do presidente
da República, apto a dar motivo
constitucional a seu impeachment. Para separar a opinião,
agora emitida, de qualquer proximidade temporal, preciso dizer
que em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 3ª
edição, 2003), lembrando o artigo
86 da Carta Magna, afirmei que a
responsabilização do presidente
enquanto vigente o mandato,
mesmo em eventuais licenças, é limitada aos atos e às omissões dele, inerentes diretamente às suas
funções, ou seja, próprios e conseqüentes delas. Mesmo nos crimes
comuns o chefe do Executivo não
é sujeito a qualquer forma de prisão ou de detenção preventiva.
Feita a distinção entre crime comum e de responsabilidade, cabe
explicar melhor porque não me
parece possível, ao menos por ora,
enquadrar o presidente em processo de impedimento. Percorrendo os sete incisos do artigo 85 da
Carta, verifica-se que Lula não
atentou contra a existência da
União, não limitou o livre exercício dos outros poderes e do Ministério Público, não sacrificou a segurança interna do país, a lei orçamentária e o cumprimento das
leis e das decisões judiciais.
Se o leitor contar as alternativas
acima verá que só mencionei cinco. Excluí dois incisos do artigo 85
porque sua interpretação é mais
delicada. Lula terá atentado contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais? Se atentou (inciso III), poderá ser impedido. Lula terá ofendido a probidade da administração? Se ofendeu (inciso V), poderá ser retirado da Presidência.
No primeiro enfoque, vistas as
denúncias dos dinheiros de campanha, as verbas eleitorais foram
manuseadas pelo partido, e não
pelo presidente. Ainda que tivessem sido por ele, quando era apenas candidato, não seria removível do cargo, ante a exclusiva responsabilização por atos próprios
do exercício do mandato. Vale dizer, depois da posse.
No segundo enfoque, os desmandos revelados pelo deputado
Roberto Jefferson (e, aos poucos,
comprovados) não se vincularam, até aqui, a ações do presidente Lula, com ofensa à "probidade da administração". Esta expressão merece leitura cuidadosa.
Probidade de uma pessoa natural
é sua honradez, sua integridade
moral. Na administração é mais
que isso: consiste na perfeita qualidade dos atos do governante, em
face dos interesses gerais cuja defesa e licitude exigem sua atenção
permanente.
Em resumo, pode até dar-se que
surja na vida de Lula-presidente
algum fato maior (até menor ou
ínfimo), até aqui não caracterizado, que configure ofensa a um dos
dois incisos mencionados. Nesse
caso, teremos todos de reavaliar
sua conduta, em face da Constituição, para saber se retornaremos às lutas e aos escândalos do
processo impedidor. Se o Brasil
retomar esse caminho, Lula e o
PT estarão bebendo doses do remédio que eles mesmos aplicaram aos seus adversários.
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