São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

[+] Foco

Após reencontrar namorado da adolescência, ex-freira dá à luz gêmeos depois dos 50

DA ENVIADA ESPECIAL A COROMANDEL (MG)

Após 12 anos no convento, Maria Helena reencontrou o amor da sua vida, Noé Justino Cruvinel. Já tinha passado de 50 quando decidiu ser mãe. Grávida de trigêmeos, passou os últimos três meses de gestação em repouso no convento onde havia sido freira.
Hoje, aos 55 anos, ensina as primeiras letras do alfabeto a Gabriel e Rafael, 4. O terceiro bebê, Daniel, morreu no útero. O pai, Noé, 64, com cabelos e barba grisalhos e longos em razão de uma promessa a Nossa Senhora da Abadia, instrui os meninos como ordenhar as vacas da fazenda onde moram, em Coromandel, no Triângulo Mineiro.
"Sempre quis ser pai. Pensava: "Pra quê trabalhar dia e noite se não tenho para quem deixar o que construí?'", conta Noé, caçula de 12 irmãos, que por 20 anos cuidou sozinho da mãe doente.
Vítima da menopausa aos 40 anos, a ex-freira engravidou com a doação de óvulos e tratamento gratuito. "Eu olhava para as galinhas com os pintinhos, a vaca e o bezerrinho, e pensava: "Todo ser vivo tem filho. Por que eu sou diferente? Por que vou passar por essa vida sem filhos?'"
Na fazenda onde moram, parece que o tempo parou. A casa, com paredes de estuque e teto sem forração, foi construída há cem anos. Os alimentos, todos plantados no local, são preparados no fogão a lenha. A única TV da casa quebrou na semana passada.
Na última quarta, a família montou um varal com flores campestres e fitas azuis na porteira para receber a Folha. A seguir, o depoimento de Maria Helena sobre a aventura de ser mãe após os 50 anos. (CLÁUDIA COLLUCCI)
  "Namorei o Noé quando tinha 19 anos e dava aulas em uma escola rural. Era aquele namoro à moda antiga. Ele vinha, conversava com meu pai sobre a roça, o tempo e ia embora. Nem pegar na mão podia. A mãe dele não queria que ele se casasse. Eu vi que a história não tinha futuro e fui cuidar da vida, estudar.
Fiz enfermagem, trabalhei na Santa Casa e, aos 26, entrei para a Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição. Passei por Araraquara, Goiânia, Araxá e Ribeirão Preto. Fiz pedagogia, psicologia. Ao final de 12 anos, senti que minha vida estava inútil. Aquela redoma do convento não tinha nada a ver comigo. As freiras me achavam rebelde demais. Eu me sentia como se estivesse vegetando.
Aos 38 anos abandonei o convento. Um ano depois reencontrei o Noé. A mãe dele tinha morrido e ele estava triste, abatido, na mais completa solidão. Foi aí que ele pediu para que a gente voltasse a namorar. Eu disse: "Só se for sério, se for para casar". Casamos em um ano.
Aos 40, minha menstruação, do jeito que veio, foi. Eu olhava para as galinhas com os pintinhos, a vaca e o bezerrinho, e pensava: "Todo ser vivo tem filho. Por que eu sou diferente? Por que vou passar por essa vida sem filhos?'
O Noé também queria ter filhos, mas estava muito envolvido com questões de inventário da família. Os amigos diziam para ele: "Noé, você trabalhou a vida toda e vai deixar as terras para quem?". Chegaram a sugerir que ele procurasse uma prostituta para ter um filho, tipo barriga de aluguel, sabe? Eu dizia: "Noé, deixe disso. Depois vai ficar essa mulher entre nós. Não tem o menor cabimento". Eu também não iria ficar de escanteio. Foi quando descobri que havia a chance de engravidar com óvulos doados.
Tinha ido a Ribeirão Preto [SP] fazer um transplante de córnea e fui até a clínica do dr. Franco Júnior, contei minha história e me aceitaram no programa de filantropia. A cada vez que tinha retorno era uma luta. Saía cedinho de casa na garupa do cavalo do Noé. São 7 km de terra até a estrada para pegar o ônibus até Uberlândia [MG]. De lá, pegava o ônibus para Ribeirão Preto, mais de sete horas. Os dois primeiros tratamentos não deram certo. No terceiro, os três embriões "vingaram". Foi uma festa. O Noé me tratava feito cristal. Ouvia opiniões de todos os jeitos, a maioria de que era louca de engravidar nessa idade.
Mas, como não podia ficar fazendo a viagem porque a gravidez era de alto risco, fui para o convento em Ribeirão. Ficava num quartinho em repouso absoluto. Saía só para ir ao refeitório e à capela. No final, comecei a sentir contrações e descobrimos que um bebê havia morrido. Fiz um parto de emergência. Até as faxineiras do hospital haviam rezado por mim e pelos bebês. Foi aí que percebi que a coisa tinha sido brava. O Gabriel nasceu com 1,750 kg e o Rafael com 1,450 kg.
Com dez dias, voltamos à fazenda. O Noé cuidava da casa e da fazenda. Fazia três mamadeiras por noite, ajudava no banho. Fiquei por conta dos meninos. Amamentei até os três meses e meio. Agora, quero dedicar a vida que me resta a eles. Não me importo quando dizem que eu e o Noé parecemos avós deles. Se Deus nos deu a possibilidade de concebê-los, ele nos dará o tanto de vida que for preciso para vê-los criados."


Texto Anterior: Médicos divergem sobre gravidez pós-50
Próximo Texto: Mulheres vencem o preconceito e aproveitam a maternidade tardia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.