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Dança comigo
Baile vespertino disfarçado de chá beneficente atrai senhoras que dançam com profissionais contratados previamente
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Só na semana passada, Tita
Podboy foi a quatro bailes. Tita,
93, adora dançar. Viúva há 20
anos, ela costuma contratar um
personal dancer para acompanhá-la. Paga R$ 120.
"Meu marido era um pé de
valsa maravilhoso, saíamos
muito", diz Tita, quatro filhos,
dez netos, doze bisnetos.
Mesmo que estivesse vivo, o
marido de Tita não poderia ir
com ela na semana passada ao
Chá Dançante, um baile que ela
gosta especialmente. Marcado
para toda última terça-feira de
cada mês, o chá reúne cerca de
70 mulheres e tem uma peculiaridade: é só para senhoras.
Os pares delas são contratados
antecipadamente.
Inaugurado há oito anos pelo
empresário-dançarino Ricardo
Liendo, 40, o baile é vespertino,
sempre das 14h30 às 17h30.
"Eles ligam para confirmar
nossa presença e perguntam (a
quem atende o telefone) se a
gente vai ao chá "beneficente".
O marido confirma: "Sim, ela
vai", sem saber que a mulher
passará a tarde dançando com
um personal", gargalha uma
"Hebe Camargo" de vestido
vermelho, sandália dourada e
xale de crochê branco.
Como ela, muitas das habituês não querem se identificar.
"Não coloca meu nome aí, pelo
amor de Deus. Meu marido não
tem ideia", diz outra loira, idade declarada 61, vestido curto
preto, meia arrastão "trabalhada" com desenhos.
Ela conta que, para todos os
efeitos, naquele momento está
no geriatra. "Vai ter churrasco à
noite em casa, mas controlo à
distância", diz ela, girando feliz
nos braços de Ricardo Lima, 23.
Os dançarinos são adorados
pelas damas. Cada uma aponta
um favorito. "Conversa com o
Emerson", sugere a aposentada
Josette Martine. "O mais cotado é o Ewerson", aposta a professora Sônia Magnoli.
Por sua vez, eles dizem que
não basta dançar bem, é preciso
ouvir bem. "Elas gostam de falar", diz Ewerson.
Chá em cores
O DJ Eduardo La Luna abre o
chá com "New York, New
York". Entre uma música e outra, as senhoras se divertem à
procura de um par, e eles fazem
todo o gestual cavalheiresco
que tanto as encanta. Maquiadas e vestidas como se estivessem em uma festa à noite, elas
se entregam inteiramente à
fantasia do baile de gala.
Cada mulher se senta em
uma cadeira cujo espaldar está
encapuzado com um pano de
cor: vermelho, verde ou dourado, de acordo com o preço do
ingresso. Uma cor no espaldar
custa R$ 110; duas, R$ 165,00; e
a dourada, R$ 220.
Se a cadeira é só vermelha, ou
verde, então a frequentadora
vai ser chamada para apenas
uma das três músicas de cada
sequência.
As sequências podem ser
de samba de gafieira, bolero,
salsa, swing, forró, chá chá
chá, pagode, valsa e
country.
Se são duas cores cobrindo o espaldar, a dama tem
o direito a duas danças em
três. Se a cadeira é dourada, bem, aí ela pode dançar
o tempo todo.
Regina Whitaker, 77,
uma das poucas a revelar
nome e idade, vai além: "Não
gosto de homem careca, barrigudo, nem de dentadura."
Depois ser tirada para dançar
por Reimi Airuchi, 31, Regina
conta que namorou "muito" e
sempre gostou de "rapazes
mais jovens". Já que é assim,
pergunta-se: teve algo com um
personal?
"Imagina. O rapaz que namorar com alguma das frequentadoras não entra mais no evento", dizem três senhoras que
ocupam a mesma mesa.
Não é bem assim.
Airuchi, por exemplo, é namorado há um ano da "cadeira
dourada" Dioscênia Carvalho.
"Meu falecido marido era 18
anos mais velho; o Reimi, 25
anos mais novo", diz ela, dois filhos de 37 e 33 anos. De vestido
frente-única cheio de babados
que farfalham nos rodopios, ela
diz que ainda vai a outro baile.
Próximo das 17, a frequentadora de meia arrastão descrita
no sexto parágrafo diz que, ao
sair, vai colocar um casacão para cobrir o traje da tarde -e não
"dar bandeira" em casa. Na
mesma mesa, uma amiga dela
afasta a reportagem: "Se meus
filhos sabem que eu estou aqui
a uma hora dessa vão pensar
que eu sou a belle de jour!"
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