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Ofício de avô e neto de ajustar as horas vira tema de filme
Família Fiorelli é responsável pela pontualidade de 12 relógios de torre de São Paulo
O curta "São Paulo Além das Horas", de Eliane Coster, registrou o trabalho de Augusto César Fiorelli, que herdou o ofício do avô
Lalo de Almeida/Folha Imagem
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A cineasta Eliane Coster, que realizou um filme sobre o relojoeiro Augusto Fiorelli, posa no relógio da Estação da Luz, centro de SP
MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL
O relógio do Espaço Catavento, antigo Palácio das Indústrias, no centro de São Paulo,
marca 12h03. Todos os relógios
à volta marcam 16h07, mas os
ponteiros do Catavento permanecem fincados em 12h03. Há
meses que não saem do lugar.
"É terrível", desabafa Augusto César Sampaio Fiorelli, responsável por manter alinhados
ao horário oficial 12 relógios de
torre da cidade. "Liguei me oferecendo para arrumá-lo e, coisa
mais estranha, disseram que
não tinham interesse. Como é
possível não ter interesse em
fazer funcionar um relógio?!"
Fiorelli é neto de Augusto
Fiorelli, de quem herdou o ofício de ajustar ponteiros. Desde
que o avô assumiu a função, em
1976, Fiorelli ia junto, segurava
ferramentas e limpava as peças.
Tinha 15 anos. Adulto, se revezava com o avô na manutenção
das horas. Mas desde que o velho morreu, no ano passado,
Fiorelli perdeu o privilégio de
ficar doente. O tempo é implacável demais para isso.
"O relógio da Faculdade de
Direito da USP tenho de ajustar
a cada quatro dias. O da Faculdade de Medicina da USP, a cada cinco. O da Estação da Luz,
toda semana. O das Casas Bahia
da praça Ramos, antigo Mappin, de cinco em cinco dias. Aos
sábados vou aos mais distantes,
das igrejas de Carapicuíba, da
Penha, da Mooca..."
O ofício dos Fiorelli foi condensado em 9 minutos e 32 segundos pela cineasta e professora da UFSCar (Universidade
Federal de São Carlos) Eliane
Coster. O curta, "São Paulo
Além das Horas", teve três exibições no Kinoforum, festival
internacional de curtas encerrado anteontem na capital.
"O sol era um indício da passagem do tempo, mas isso ficou
muito reduzido para quem vive
na cidade", afirma Eliane, que
cursou física para compreender a relatividade do tempo.
A cineasta diz que acha poética essa ideia de "pegar o horário" -ajustar um relógio pela
hora oficial. Fiorelli neto conta
que "pega o horário" pelo celular ou pelo rádio e o mantém no
relógio de pulso, o mesmo que
carrega há 20 anos. E é com o
de pulso, mecânico e automático, que sincroniza todos os demais, como fazia o avô.
O antecessor do velho Fiorelli, considerado o primeiro sujeito a ajustar relógios em São
Paulo, "pegava horário" de
charrete, conta Fiorelli neto.
Na década de dez, Júlio Müller
precisava ir até o Observatório
de São Paulo, na avenida Paulista, para saber qual era a hora
oficial. O intenso movimento
da avenida impediu que a medição continuasse precisa, e o observatório mudou dali em 1928.
"Hoje em dia o tempo se popularizou", diz Fiorelli, que viu
minguar a clientela da relojoaria que mantém na rua Venceslau Braz, no centro, já que quase todos os paulistanos carregam consigo a hora oficial, que
os telefones celulares exibem.
Quase todos. A mãe do secretário municipal de Cultura,
Carlos Augusto Calil, por
exemplo, não. Quando o secretário foi solicitar o conserto da
peça, meses atrás, Fiorelli
aproveitou e pediu para arrumar os ponteiros do Catavento.
Foi informado de que o prédio agora pertence ao governo
do Estado. No começo dos anos
90, quando o local abrigava a
sede da prefeitura, a então prefeita Luiza Erundina recorreu
aos Fiorelli para consertar o relógio, coisa que Augusto, o neto,
sonha em voltar fazer. Mas, por
ora, continuam sendo 12h03 na
torre do Espaço Catavento.
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