São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ofício de avô e neto de ajustar as horas vira tema de filme

Família Fiorelli é responsável pela pontualidade de 12 relógios de torre de São Paulo

O curta "São Paulo Além das Horas", de Eliane Coster, registrou o trabalho de Augusto César Fiorelli, que herdou o ofício do avô

Lalo de Almeida/Folha Imagem
A cineasta Eliane Coster, que realizou um filme sobre o relojoeiro Augusto Fiorelli, posa no relógio da Estação da Luz, centro de SP

MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL

O relógio do Espaço Catavento, antigo Palácio das Indústrias, no centro de São Paulo, marca 12h03. Todos os relógios à volta marcam 16h07, mas os ponteiros do Catavento permanecem fincados em 12h03. Há meses que não saem do lugar.
"É terrível", desabafa Augusto César Sampaio Fiorelli, responsável por manter alinhados ao horário oficial 12 relógios de torre da cidade. "Liguei me oferecendo para arrumá-lo e, coisa mais estranha, disseram que não tinham interesse. Como é possível não ter interesse em fazer funcionar um relógio?!"
Fiorelli é neto de Augusto Fiorelli, de quem herdou o ofício de ajustar ponteiros. Desde que o avô assumiu a função, em 1976, Fiorelli ia junto, segurava ferramentas e limpava as peças. Tinha 15 anos. Adulto, se revezava com o avô na manutenção das horas. Mas desde que o velho morreu, no ano passado, Fiorelli perdeu o privilégio de ficar doente. O tempo é implacável demais para isso.
"O relógio da Faculdade de Direito da USP tenho de ajustar a cada quatro dias. O da Faculdade de Medicina da USP, a cada cinco. O da Estação da Luz, toda semana. O das Casas Bahia da praça Ramos, antigo Mappin, de cinco em cinco dias. Aos sábados vou aos mais distantes, das igrejas de Carapicuíba, da Penha, da Mooca..."
O ofício dos Fiorelli foi condensado em 9 minutos e 32 segundos pela cineasta e professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Eliane Coster. O curta, "São Paulo Além das Horas", teve três exibições no Kinoforum, festival internacional de curtas encerrado anteontem na capital.
"O sol era um indício da passagem do tempo, mas isso ficou muito reduzido para quem vive na cidade", afirma Eliane, que cursou física para compreender a relatividade do tempo.
A cineasta diz que acha poética essa ideia de "pegar o horário" -ajustar um relógio pela hora oficial. Fiorelli neto conta que "pega o horário" pelo celular ou pelo rádio e o mantém no relógio de pulso, o mesmo que carrega há 20 anos. E é com o de pulso, mecânico e automático, que sincroniza todos os demais, como fazia o avô.
O antecessor do velho Fiorelli, considerado o primeiro sujeito a ajustar relógios em São Paulo, "pegava horário" de charrete, conta Fiorelli neto. Na década de dez, Júlio Müller precisava ir até o Observatório de São Paulo, na avenida Paulista, para saber qual era a hora oficial. O intenso movimento da avenida impediu que a medição continuasse precisa, e o observatório mudou dali em 1928.
"Hoje em dia o tempo se popularizou", diz Fiorelli, que viu minguar a clientela da relojoaria que mantém na rua Venceslau Braz, no centro, já que quase todos os paulistanos carregam consigo a hora oficial, que os telefones celulares exibem.
Quase todos. A mãe do secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, por exemplo, não. Quando o secretário foi solicitar o conserto da peça, meses atrás, Fiorelli aproveitou e pediu para arrumar os ponteiros do Catavento.
Foi informado de que o prédio agora pertence ao governo do Estado. No começo dos anos 90, quando o local abrigava a sede da prefeitura, a então prefeita Luiza Erundina recorreu aos Fiorelli para consertar o relógio, coisa que Augusto, o neto, sonha em voltar fazer. Mas, por ora, continuam sendo 12h03 na torre do Espaço Catavento.


Texto Anterior: Construção pode ser feita por meio de PPP
Próximo Texto: Prefeitura testa sua primeira ciclofaixa hoje até o meio-dia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.