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PATRIMÔNIO
Um dia a casa cai
No centro de Salvador, população de sem-teto vive à espera do pior em 111 casarões prestes a desabar
MATHEUS MAGENTA
DE SALVADOR
Como nômades à espera
do pior, moradores de casarões do centro antigo de Salvador sob o risco de desabamento invadem imóveis vizinhos à medida que os lugares
onde viviam desabam.
Aqueles que resistem e ficam nos locais, apesar de todos os riscos, dizem não saber e nem ter para onde ir.
No último dia 17, um casarão caiu e matou quatro pessoas na rua do Julião, no centro histórico da cidade.
Cleonice Costa, 49, que vivia no local, conta o que fez
depois do desabamento: "Tive de invadir essa [outra] casa aqui. No outro casarão,
quatro que moravam comigo
morreram. Não consegui salvar ninguém, só me sobrou
chorar mesmo. Essa pode
cair também, mas é o único
lugar que restou pra ir."
Na rua do Julião, há 12 casarões em situação precária.
A rua consta em um levantamento realizado pela Codesal (Defesa Civil de Salvador)
sobre a situação dos imóveis,
concluído no ano passado.
São 111 imóveis tombados,
ou sob influência de área
tombada pela proximidade,
no centro antigo de Salvador
que estão em situação precária e têm alto risco de desabamento. Há outros 78 que
atualmente, de acordo com a
classificação da Codesal, têm
riscos baixo e médio.
Construídos principalmente nos séculos 18 e 19,
grande parte dos imóveis não
tem mais janelas, telhados,
paredes externas ou escadas
para andares superiores que
também já deixaram de existir há muito tempo.
O professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Nivaldo Vieira de Andrade
Júnior, especialista em patrimônio arquitetônico, explica
que o processo de tombamento encarece a preservação dos imóveis, mas não torna inviável o serviço.
"Se o proprietário não puder pagar a reforma deve pedir que o Iphan [Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] o faça. Mas os
governos precisam de um
plano de requalificação para
vias e a iluminação pública,
por exemplo", diz Júnior.
SEM-TETO
Um dos principais objetivos do processo de tombamento é preservar as características arquitetônicas originais com que os imóveis foram construídos.
A medida, no entanto, não
assegura a manutenção, que
fica sob a responsabilidade
do proprietário.
Para Júnior, a importância
para o patrimônio histórico
de Salvador não está na preservação de um imóvel específico, mas sim de todo o seu
conjunto arquitetônico.
O problema é que, com o
passar do tempo, a maioria
dos imóveis em más condições foi ocupada pela população de sem-teto da cidade.
Esse é o caso do borracheiro Onassis Brito, 47, vizinho
de Cleonice. Com mais 20
pessoas, ele mora num casarão onde só resta a fachada
frontal ainda de pé, porém já
com sinais de deterioração.
Segundo o borracheiro, o
medo é um sentimento constante para quem mora ali. O
temor é que um pedaço dos
casarões possa atingir alguém a qualquer momento.
Duas pessoas já morreram
atingidas por pedaços que se
soltaram dos casarões enquanto passavam pela calçada em frente aos locais.
Para quem mora em um
deles, isso não chega a surpreender. "Aliás, chega uma
hora em que morrer é descanso", diz Brito.
O Iphan anunciou investimentos emergenciais de R$ 9
milhões para o escoramento
dos imóveis em risco.
Um grupo de trabalho formado pelo órgão em conjunto com a prefeitura e o governo baiano tenta na Justiça
desapropriar e evacuar os casarões. No ano passado, 37
famílias ganharam casas em
outros bairros.
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