São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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PATRIMÔNIO

Um dia a casa cai

No centro de Salvador, população de sem-teto vive à espera do pior em 111 casarões prestes a desabar

MATHEUS MAGENTA
DE SALVADOR

Como nômades à espera do pior, moradores de casarões do centro antigo de Salvador sob o risco de desabamento invadem imóveis vizinhos à medida que os lugares onde viviam desabam.
Aqueles que resistem e ficam nos locais, apesar de todos os riscos, dizem não saber e nem ter para onde ir.
No último dia 17, um casarão caiu e matou quatro pessoas na rua do Julião, no centro histórico da cidade.
Cleonice Costa, 49, que vivia no local, conta o que fez depois do desabamento: "Tive de invadir essa [outra] casa aqui. No outro casarão, quatro que moravam comigo morreram. Não consegui salvar ninguém, só me sobrou chorar mesmo. Essa pode cair também, mas é o único lugar que restou pra ir."
Na rua do Julião, há 12 casarões em situação precária. A rua consta em um levantamento realizado pela Codesal (Defesa Civil de Salvador) sobre a situação dos imóveis, concluído no ano passado.
São 111 imóveis tombados, ou sob influência de área tombada pela proximidade, no centro antigo de Salvador que estão em situação precária e têm alto risco de desabamento. Há outros 78 que atualmente, de acordo com a classificação da Codesal, têm riscos baixo e médio.
Construídos principalmente nos séculos 18 e 19, grande parte dos imóveis não tem mais janelas, telhados, paredes externas ou escadas para andares superiores que também já deixaram de existir há muito tempo.
O professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Nivaldo Vieira de Andrade Júnior, especialista em patrimônio arquitetônico, explica que o processo de tombamento encarece a preservação dos imóveis, mas não torna inviável o serviço.
"Se o proprietário não puder pagar a reforma deve pedir que o Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] o faça. Mas os governos precisam de um plano de requalificação para vias e a iluminação pública, por exemplo", diz Júnior.

SEM-TETO
Um dos principais objetivos do processo de tombamento é preservar as características arquitetônicas originais com que os imóveis foram construídos.
A medida, no entanto, não assegura a manutenção, que fica sob a responsabilidade do proprietário.
Para Júnior, a importância para o patrimônio histórico de Salvador não está na preservação de um imóvel específico, mas sim de todo o seu conjunto arquitetônico.
O problema é que, com o passar do tempo, a maioria dos imóveis em más condições foi ocupada pela população de sem-teto da cidade.
Esse é o caso do borracheiro Onassis Brito, 47, vizinho de Cleonice. Com mais 20 pessoas, ele mora num casarão onde só resta a fachada frontal ainda de pé, porém já com sinais de deterioração.
Segundo o borracheiro, o medo é um sentimento constante para quem mora ali. O temor é que um pedaço dos casarões possa atingir alguém a qualquer momento. Duas pessoas já morreram atingidas por pedaços que se soltaram dos casarões enquanto passavam pela calçada em frente aos locais.
Para quem mora em um deles, isso não chega a surpreender. "Aliás, chega uma hora em que morrer é descanso", diz Brito.
O Iphan anunciou investimentos emergenciais de R$ 9 milhões para o escoramento dos imóveis em risco.
Um grupo de trabalho formado pelo órgão em conjunto com a prefeitura e o governo baiano tenta na Justiça desapropriar e evacuar os casarões. No ano passado, 37 famílias ganharam casas em outros bairros.


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