São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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16 ANOS DEPOIS

Christine Lamont e David Spencer repetem no Canadá esquema que mantinham em SP, só que agora na legalidade

Seqüestradores de Diniz vivem "clandestinos"

Bob Wolfenson - out.1996
Christine Lamont, hoje no Canadá, posa para ensaio fotográfico feito no Carandiru, em São Paulo


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL AO CANADÁ

Alguns crimes brasileiros nunca morrem. O seqüestro de Abilio Diniz é um deles. O caso é daquelas histórias que dariam não só um filme, mas um livro, um documentário e uma trilha sonora. Todos de suspense. Com pelo menos um mistério: "E os canadenses?"
No dia 11 de dezembro de 1989, dez pessoas participaram do seqüestro do empresário Abilio dos Santos Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, hoje como então uma das maiores fortunas do país. Do dia (17) em que seu cativeiro foi estourado à libertação do último dos envolvidos, uma década depois, o assunto não saiu da mídia.
(Volta e meia, é ressuscitado, como no lançamento da autobiografia de Diniz, em dezembro, na qual ele menciona o ocorrido.)
Entre os dez seqüestradores havia um brasileiro e sete outros latino-americanos diretamente ligados a movimentos guerrilheiros de esquerda de El Salvador, da Argentina e do Chile. À época, havia grupos também que, sob pretexto político, usavam o crime para proveito financeiro próprio -e nunca foi provado que os dez seqüestradores não agissem assim.
Destoava do grupo um casal de canadenses. Cabelos e olhos claros, escondidos por óculos fundo-de-garrafa, David Robert Spencer tinha 26 anos e parecia um daqueles criadores de uma pontocom destinados a ser bilionários. Quatro anos mais velha, mas aparentando mais, talvez pelos cabelos mal-pintados ou pela maquiagem pesada, Christine Gwen Lamont vinha de uma família de classe média alta dos subúrbios de Vancouver, na costa oeste do Canadá.
O primeiro mistério era: o que os dois faziam ali? A resposta varia conforme o indagado. Para sua defesa na época, eles eram jovens preocupados com a desigualdade social do mundo, como tantos no Canadá e em países europeus desenvolvidos. Ao visitar El Salvador e a Nicarágua nos anos 80, entraram de gaiatos numa operação destinada a ajudar financeiramente guerrilheiros de esquerda que deu no seqüestro.
Se feita para a Promotoria de então, para os juízes que cuidaram do caso e para pelo menos três autores de livros sobre o assunto, o casal sabia da operação e estava tão envolvido quanto os outros oito -David chegou a dirigir a Kombi que levaria Diniz ao cativeiro, Christine seria a responsável pelas armas da casa.
O fato é que, depois de muito vaivém jurídico, os dois foram condenados a 28 anos de prisão, ficaram quase dez no extinto Carandiru, em São Paulo, foram enviados para cumprir o resto da pena no Canadá, no final de 1998, num acordo entre os dois países, e saíram em liberdade condicional menos de três meses depois.
Naquele ano, 1999, eles e os pais dela, que lideraram uma campanha e bancaram um lobby incansável pela libertação da dupla tanto no Canadá quanto no Brasil, deram algumas entrevistas a órgãos de imprensa dos dois países, falaram de planos futuros, comemoraram a vitória. E sumiram.
O segundo mistério: como dois canadenses em liberdade condicional conseguem desaparecer no próprio país que os vigia?
Desde setembro do ano passado, a Folha tenta localizá-los, para saber como e do que vivem hoje em dia os seqüestradores canadenses de Abilio Diniz.
No mês passado, descobriu o esquema de "clandestinidade" que montaram e que é muito parecido com o da época em que viviam em São Paulo -com a imensa diferença de que agora estão dentro da lei.


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