São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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VÔO NOTURNO

Houve cerca de 15 mil casos somente neste ano no Pará; raiva transmitida pelo animal mata 15 só em uma cidade

Morcego multiplica ataques na Amazônia

THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA

O número de pessoas atacadas por morcego na região amazônica aumentou nove vezes em dois anos. É o que mostram os dados do Ministério da Saúde. Em 2004, foram 8.258 agressões, contra 852 em 2003. E o número de mortos subiu nas últimas semanas.
Esse número foi obtido após 21 pessoas morrerem em surtos de raiva transmitida pelo animal em abril de 2004. Houve, então, uma preocupação por parte dos órgãos de saúde em acompanhar os ataques a pessoas.
O ministério admite que os ataques não são de hoje, mas que não existia um acompanhamento dos órgãos estaduais, por desconhecerem a gravidade do problema.
Entre 2003 e 2004 ocorreram 43 mortes, mas houve mais casos neste ano. Nos Estados afetados -Pará e Maranhão- havia uma subnotificação das agressões. Só após os técnicos irem a campo é que os dados alarmantes foram descobertos.
O Pará, onde teve início os surtos no ano passado, houve 383 registros de agressões de morcegos a humanos em 2003. No ano seguinte, após as mortes, foram 7.640 ocorrências. Em 2005, são mais de 15 mil. O Maranhão registrou apenas 108 agressões em 2004. Após o surto deste ano, já foram mais de 1.100.
As últimas duas vítimas dos morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) da espécie Demodus rotundus são de Cândido Mendes (MA). Morreram há cerca de 40 dias.
No Estado, outras quatro pessoas morreram em Godofredo Viana e Carutapera. No Pará, Viseu foi atingida duas vezes: teve uma morte em 2005 e seis em 2004. Neste ano, houve mais 15 vítimas em Augusto Corrêa; no ano passado, houve 15 em Portel.
Para o biólogo Wilson Uieda, da Unesp, doutor em ecologia pela Unicamp, a doença pode se tornar um grave problema de saúde pública porque a região Norte é a última fronteira agrícola ainda inexplorada no país.
Uieda é pós-doutorado na Cornell University (EUA) e foi assessor científico de um documentário sobre morcegos exibido pela "National Geographic".
Para ele, a Amazônia está suscetível à proliferação de surtos de raiva devido ao avanço da agropecuária e "o Pará é a porta de entrada para a região".
"O Pará ainda é acessível. Minha preocupação é com o Amazonas porque trabalhar lá é difícil. Por enquanto, as populações de morcegos são pequenas. Não há oferta de alimento suficiente para aumentá-las. É a introdução do gado que vai facilitar isso", diz.
Uieda disse que os órgãos de saúde têm de pensar "que estão lidando com gente, e não com bicho". E que os surtos poderiam ter sido evitados se o governo tivesse dado prioridade também a essa forma de transmissão.
O coordenador da Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Eduardo Hage Carmo, admite que os eventos de 2004 e 2005 "superaram a capacidade de detecção" do órgão, que ainda estuda uma estratégia para combater a enfermidade.
Segundo Carmo, o governo federal vem tomando medidas de contenção. Uma delas consiste em treinar os agentes de malária a fazer entrevistas com a população e, assim, comunicar as agressões às unidades de saúde.

Premeditados
Uieda diz que os surtos eram anunciados, pois as pessoas conviviam havia mais de 40 anos com os morcegos e suportavam os ataques a seus animais e, eventualmente, a elas próprias. "De repente, aparece um vírus lá no meio e acaba afetando essa relação."
O Ministério da Saúde afirma que ainda não há um meio de controlar a população de morcegos. "Na região amazônica, são pequenas colônias, daí a maior dificuldade. Não funciona por meio da pasta vampiricida. A gente ainda não tem uma solução", diz.


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