São Paulo, sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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BARBARA GANCIA

Não me distraia, Osesp!


Toda vez que uma grande orquestra se põe a tocar, imagino um gato correndo atrás de um rato

TENHO sérias dificuldades com a música clássica. Você dirá que estraguei os ouvidos com todo o lixo pop que neles ressonaram nos últimos 50 anos, e eu direi que você está de má vontade.
À exceção do primeiro compacto simples que comprei na vida, "Love Is Blue", de Paul Mauriat, e das melífluas canções de Lobo e Bread que ouvia na infância, sempre resguardei meus aparelhos auriculares.
Cresci bem acompanhada por Pink Floyds, David Bowies e eventuais Leonard Cohens e pelos discos de jazz importados que juntava anos de mesada para comprar.
Meu problema com a música clássica é que Hollywood estragou a experiência para mim. Sério. Toda vez que uma grande orquestra se põe a tocar, imagino um gato correndo atrás de um rato, uma luta corporal num penhasco ou alguma forma desvairada de perseguição.
Lá vai você, nobre leitor, me xingar de bucéfala de novo. Mas eu desafio qualquer um que já tenha sido exposto à cena dos helicópteros em "Apocalypse Now" a lembrar de deidades nórdicas quando ouve a "Cavalgada das Valquírias", de Wagner.
E foi com o propósito de reparar essa terrível lacuna na minha educação musical que, de uns dois anos para cá, eu comecei a frequentar a Sala São Paulo. Levada por um amigo gentilíssimo que possui assinaturas do extinto (em chamas) Teatro Cultura Artística, tenho ido regularmente assistir aos concertos de música clássica.
Confesso que ainda estou um tanto crua. Quando não me surpreendo pensando se na próxima compra de supermercado devo adquirir uma embalagem de 1 litro ou duas de 500 ml de Veja Multiuso, eu me pego prestando atenção em detalhes que não deveriam preocupar quem tem o privilégio de estar diante de uma orquestra de 50 pessoas, que custou coisa de US$ 250 mil para vir lá da Europa até aqui.
É mais forte do que eu. Bastou perceber que, naquele dia, o camarote do maestro da Osesp, do secretário de Cultura ou do governador estão às traças (dois de três sempre estão), que eu não consigo mais me concentrar no som. Já vou implicando com a falta de iniciativa por não terem cedido as entradas a estudantes ou aposentados e lá se foi meu concerto.
Nesta semana, ficamos sabendo que os preços das assinaturas para a temporada 2010 da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) aumentaram em até 70% para alguns pacotes. Como neste ano foram 11.500 assinaturas vendidas para apenas 4.700 CPFs, imagino que muita gente que tem duas ou três assinaturas irá desistir de comprar.
Os aposentados, um dos maiores públicos da orquestra, serão os mais afetados pelo aumento. E há também o problema de que agora que a Osesp virou orquestra de gente grande e está sempre viajando, a programação passou a incluir música moderna e recitais de piano que não interessam a ninguém.
Ou seja, assunto não me faltará para remoer na minha próxima ida à Sala São Paulo.
Já me vejo lá na plateia matutando sobre como nossa orquestra sinfônica, um dos maiores orgulhos de SP, pôde aprontar uma dessas com os velhinhos. Justo ela, que é bancada pelo Estado.

barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br

Twitter:@barbaragancia


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