São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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Tragédia e perdão em família

Preso, tapeceiro que assumiu ter matado irmão tetraplégico no interior paulista recebe o apoio de parentes

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A RIO CLARO (SP)

"Foi por amor. Foi uma imensa prova de amor fraterno". Assim o jovem D. explica o ato de seu irmão, o tapeceiro Roberto Rodrigues de Oliveira, 22, que no último dia 22, matou com dois tiros à queima-roupa o irmão mais velho da família, o ajudante- geral Geraldo Rodrigues de Oliveira, 28, tornado tetraplégico há dois anos e meio.
A polícia de Rio Claro (a 173 km de São Paulo) não tem dúvida: Roberto matou Geraldo atendendo a pedido da própria vítima. "Geraldo não suportava viver como um vegetal. Era sofrimento demais para um jovem independente, inconformado de que sua vida teria, para sempre, de ser sustentada por outros. Geraldo quis morrer", afirmou o investigador Adilson Bento, 50.
A tragédia começou a ser escrita na saída de um churrasco, em 2009. Depois de comer e beber, Roberto pôs-se a elogiar a moto de 125 cilindradas, segunda mão, que tinha acabado de comprar. Geraldo, de seu lado, enaltecia a força do Gol que ainda estava pagando. A dúvida sobre qual era melhor, os irmãos resolveram, seria sanada em um racha. Em uma estrada vizinha, a moto largou na frente. O Gol foi atrás. Bem adiante, pronto para comemorar a vitória, Roberto esperou pelo irmão. Mas ele não apareceu.
O caçula voltou e encontrou o Gol capotado e o irmão jogado na estrada, a coluna vertebral fraturada. Dois meses de UTI, e Geraldo teve alta -não mexia um músculo abaixo do pescoço. Tornou-se consumidor voraz de filmes sobre acidentes que causam tetraplegias, como "Menina de Ouro" (2004) e "Mar Adentro" (2004) -que falam de eutanásia.
"A medicina não pode fazer mais nada por mim. Agora, a responsabilidade é do Roberto", dizia Geraldo, conforme V., outro dos nove irmãos. "Ele mandou a mulher e seu filho, hoje com oito anos, viverem com a mãe dela. Dizia que o acidente havia colado para sempre a sua vida à do irmão caçula."

FARDO PESADO
O filho de Geraldo nasceu com uma malformação que deixou como sequela a paraplegia. Na delegacia, a mulher declarou que o marido sempre culpava a genética dela pelo problema.
Lembra D.: "Ele afirmava que não havia esse tipo de problema na nossa família. Agora, imagina o que ele sentiu ao perceber que não andaria ou se mexeria mais, que precisava da comida na boca e de sonda para retirar a urina. E ainda havia a vergonha de ter de usar fraldas."
"Geraldo afundou na depressão, enquanto seu corpo definhava pela falta de atividade muscular. E passou a exigir que o irmão Roberto o ajudasse a se libertar dessa dor", afirma o investigador Jorge Luiz Bizarro Teixeira, 31, a partir de depoimentos dos familiares. Para piorar tudo, no dia 22 de janeiro deste ano, João, outro irmão, morreu aos 24 anos, em um acidente de motocicleta. "Geraldo dizia que não era justo, que era ele quem deveria ter morrido."
Roberto, um rapaz tranquilo, trabalhador, emprego fixo, "o cara na família que conseguia fazer brotar o sorriso das pessoas", segundo D., ouvia todos os dias o irmão pedir para morrer.
Os dois começaram a elaborar o plano. Tinha de ser no dia 22, como foram no dia 22 os acidentes com Geraldo (22/03/2009) e com João (22/01/2011). Tinha de ser em uma simulação de latrocínio, para livrar Roberto da acusação de homicídio. Mascarado e com um revólver calibre 38 na mão (ele disse à polícia que comprou a arma de um caminhoneiro), o caçula pulou o muro da sua própria casa, chutou a porta da cozinha, anunciou o assalto, perguntou onde estava o dinheiro da casa, pegou R$ 200, atirou no irmão e fugiu.
"A gente só queria saber quem era o culpado, quem tinha sido covarde a ponto de matar uma pessoa que não podia oferecer resistência alguma", explica D.
Para a polícia, a história pareceu muito estranha. Por que alguém roubaria uma casa humilde, quarto, cozinha e banheiro, sem reboco, como aquela? Por que atiraria em um tetraplégico com a clara intenção de matar (um tiro foi na cabeça, o outro, no pescoço)? Roberto confessou.

PENA DESNECESSÁRIA
As advogadas Simone Gomes Widmer e Roberta Weygand, que defendem Roberto, pretendem obter a redução da pena ou o perdão judicial, alegando que o crime já causou um tal sofrimento ao irmão homicida, que a pena se tornaria desnecessária. Um sobrinho de 15 anos (ele cuidava de Geraldo enquanto Roberto trabalhava) será apresentado ao juiz da infância de Rio Claro, para falar sobre o crime.
No fundo da cela de nove metros quadrados onde foi recolhido depois de decretada a sua prisão provisória, encolhido, os olhos postos sempre no chão, Roberto quase não fala, parece ausente. Aos policiais ele disse que temia a reação da família.
Ficou toda a carceragem de sobreaviso, por isso, quando a mãe foi visitá-lo na cadeia. A mulher, agricultora de 51 anos, não conseguiu emitir uma só palavra. Apenas abraçou o filho e chorou. "Foi o seu jeito de dizer que o perdoava", interpretou o investigador Adilson Bento.


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