São Paulo, sexta-feira, 30 de novembro de 2007

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Sabatina Folha - Rosely Sayão

Qualquer coisa é melhor que a escola formal de hoje; pior não fica

Para psicóloga, o atual modelo de ensino está falido ; escola se preocupa que alunos aprendam conteúdo em vez de priorizar o conhecimento

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O ATUAL MODELO de ensino está falido e parte dessa situação deve-se ao fato de a escola ter se aproximado tanto do estilo de vida familiar que acabou adotando um modo administrativo leigo em detrimento de condutas educacionais profissionais, baseada em teorias e metodologias.
A afirmação é da psicóloga e consultora em educação Rosely Sayão, durante sabatina realizada ontem pela Folha. Para ela, "qualquer coisa" é melhor do que a escola formal de hoje. "Pior que está não fica. É preciso encontrar alternativas ao ensino falido existente em 98% das escolas privadas e públicas."
Para a psicóloga, a aproximação entre escolas e famílias está fazendo com que as crianças tenham um tipo de educação muito parecida. "Hoje, professores e pais pensam e agem de maneira muito semelhante. E os pais estão desnorteados porque as referências educacionais se multiplicaram."

ESCOLA
A escola hoje não serve para educar. Nem para educar para vida pública e muito menos para educar para a relação de conhecimento. A escola está mais preocupada que seus alunos aprendam conteúdo do que com a postura que deve ter para se relacionar com o conhecimento. Até o quinto ano do ensino fundamental, a gente deveria ensinar o que é ser aluno, o que é ter colegas, o que é agir coletivamente, quais as posturas físicas e mentais para se relacionar com o conhecimento. Hoje a gente tem uma grande dificuldade de trabalhar isso. Espera-se que o aluno chegue sabendo o que é ser aluno. Eles chegam filhos e a escola continua a tratá-los como filhos.
A escola se identificou muito com a família e perdeu seu caráter profissional. Ela se molda aos seus alunos e aos pais de seus alunos. Tem dificuldade de estabelecer uma conduta profissional baseada em teorias e metodologias e vai muito no agir educativo dos pais, que são leigos, e a escola não deveria ser leiga. Hoje, professores e pais pensam e agem de maneira muito semelhante.

VIDA FAMILIAR
É uma grande bobagem tentar adequar a escola ao estilo de vida familiar. Isso restringe muito os contatos, as relações, o tipo de visão que a criança tem do mundo. Restringe muito a ponto de impedir uma vida democrática, no ponto de vista das relações. Cada vez mais as crianças ficam submetidas a um tipo de educação muito parecida. A partir dos anos 90, a escola começou a anunciar que ela era a segunda casa, a segunda família dos alunos. Se uma família já dá trabalho, imagine duas. A grande questão é: nós vamos dar chance para as crianças aprenderem a conviver com as diferenças ou vamos cada vez mais colocá-las em clubes privados onde todos são semelhantes? Na busca de uma vida mais democrática, colocar a criança em uma escola onde há diversidade é o primeiro ponto. A função da escola é fazer a passagem da vida privada para a vida pública.

SELEÇÃO DE ALUNOS
Seleção de alunos é um absurdo. Na verdade, é selecionar o perfil de aluno que cabe dentro da minha escola, é preconceituoso. O aluno diferente, não importa a diferença que seja, ele não cabe dentro desse clube. Por lei, essa seleção não é permitida, mas as escolas continuam fazendo e os pais se submetem. Acho uma loucura. A gente já vê no presente algumas conseqüências disso. A vida pública é cada vez mais privada, jovens adultos evitando o contato das pessoas nas ruas.

SUPERPROTEÇÃO
Nas últimas décadas, os pais se incumbiram de uma missão impossível, que é proteger os filhos da vida. Nesta busca de proteção, têm cometido equívocos sérios, que comprometem o objetivo fundamental da educação, que é viver com autonomia. Os pais ensinam os filhos que eles têm muitos direitos e poucos deveres.
Traçar um equilíbrio entre o cuidar e proteger é a questão. Não adianta a gente tentar proteger, proteger, porque na hora que eles saem, e eles saem queira a gente ou não, esse é o mundo em que eles vão viver. O mundo está perigoso, mas sempre esteve perigoso para os pais. É claro que o mundo mudou muito. Mas devo ensinar a saber reconhecer os riscos, a saber se proteger sem revidar etc.

SEXUALIDADE
Quando chega na adolescência, o grande acontecimento da vida é a descoberta da sexualidade. O jovem tem corpo de adulto e, portanto, pode desfrutar desse mundo da sexualidade. A idéia que fica é que eu desfruto, mas, se eu tiver um problema antes ou depois, alguém resolve para mim. É fundamental que cada um de nós tenha uma vida sexual saudável. Mas há o limite entre o privado e o público, o que diz respeito à intimidade e o que diz respeito ao convívio social. Por isso, é preciso demarcar bem essa fronteira. A função dos pais não é entrar nos segredos dos filhos. Aliás, tem coisas que é melhor não saber mesmo.
A questão não é falta de informação [sobre sexo, gravidez ou doenças sexualmente transmissíveis]. O problema é que eles não têm maturidade para usar essas informações. Isso revela que estão chegando na vida sexual de modo absolutamente inconseqüente porque são imaturos e porque há adultos respondendo por eles.
O jovem vê a sexualidade como performance corporal, têm dificuldade de encarar uma relação sem tomar um comprimido tipo Viagra ou Cialis. Achei que fosse insegurança, mas descobri que era garantia de diversão por horas, sem perder a ereção. É um parque de diversão, não é mais o contato de proximidade de intimidade com uma pessoa.

CONSUMO
O ideal de consumo hoje é maior do que qualquer coisa, provoca angústia, provoca tédio também. O ideal de consumo faz com que a pessoa queira consumir e não necessariamente desfrutar daquilo que conquistou. Ele quer, quer e depois que consome não sabe o que fazer com aquilo. Cresce assustadoramente o número de jovens que querem entrar na faculdade e depois não sabem o fazer com a faculdade, trocam de curso, abandonam. É mais difícil viver hoje porque não há adultos que estimulem essa visão crítica do jovem. Eles não pensam criticamente e também adoecem facilmente. Temos muitos jovens com depressão, o índice de suicídios tem aumentado muito entre os jovens adultos. O grau de insatisfação com a vida é muito grande. Eu devo isso ao ideal de individualismo.

MEDICAMENTOS
É um outro ideal. Nossa sociedade está absolutamente submetida à medicalização. É mais um elemento que leva a essa passividade na vida, como se as coisas se resolvessem por mim. Hoje, por incrível que pareça, há escolas que chamam os pais e os orientam dar ritalina [medicação usada para déficit de atenção com hiperatividade] aos seus filhos. É como se falassem: "Acalma o seu filho para eu poder trabalhar bem enquanto ele for meu aluno."
Acho que a medicina ainda vai se redimir dessa medicalização. Hoje há muito estímulo à hiperatividade. Já que o mundo estimula, vamos conviver com isso e ensinar nossas crianças a controlar isso.

PAIS
Os livros de auto-ajuda subestimam a capacidade dos pais. Não acho que os pais estejam perdidos, as escolas sim estão perdidas. Os pais estão desnorteados. Quando eu fui educada, todos os pais compartilhavam do mesmo norte. Hoje as referências se multiplicaram. Cada pai olha como vai educar seu filho e vê múltiplas referências. Eles ainda acreditam que há norte fora deles, mas o norte está neles. Não considero os pais perdidos. Eles se dedicam mais à educação dos filhos do que as escolas que os recebem.

LIMITE
Eu usei muito essa palavra e hoje sou contra o uso dela na educação. Todo mundo usava essa palavra e não falava-se em desobediência. Recebi um dia uma mãe desesperada porque a filha, de três anos, não tem limite algum, não aceita a autoridade dela. Se a gente aceita que o problema é deles, a gente ficará livre de qualquer responsabilidade. Criança não precisa de limite, precisa é de adulto. Eles não aprendem os limites porque, nós adultos, não exercemos bem nosso papel.

CASTIGO
Castigo em crianças com menos de cinco anos eu não entendo. Quando a criança com menos de cinco anos faz ou não faz o que deveria fazer é porque o adulto falhou. Nessa idade, a criança não compreende o castigo como fruto do comportamento que ela teve. A partir dos seis, sete anos, é possível colocá-lo de castigo mas não como mera punição com sofrimento. Mas como demonstração de que tudo o que você faz, traz conseqüências, às vezes boas, às vezes não. Em geral, hoje o castigo é dado muito no momento em que os pais perdem o controle das emoções e depois o sofrimento dos filhos faz com que os pais afrouxem o castigo. A gente erra do começo ao fim.


Veja o vídeo da sabatina com Rosely Sayão

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