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Sabatina Folha - Rosely Sayão
Qualquer coisa é melhor que a escola formal de hoje; pior não fica
Para psicóloga, o atual modelo de ensino está falido ; escola se preocupa
que alunos aprendam conteúdo em vez de priorizar o conhecimento
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O ATUAL MODELO de ensino está falido e
parte dessa situação deve-se ao fato de a
escola ter se aproximado tanto do estilo
de vida familiar que acabou adotando um
modo administrativo leigo em detrimento de condutas educacionais profissionais, baseada em teorias e
metodologias.
A afirmação é da psicóloga e consultora em educação Rosely Sayão, durante sabatina realizada ontem
pela Folha. Para ela, "qualquer coisa" é melhor do
que a escola formal de hoje. "Pior que está não fica.
É preciso encontrar alternativas ao ensino falido
existente em 98% das escolas privadas e públicas."
Para a psicóloga, a aproximação entre escolas e famílias está fazendo com que as crianças tenham um
tipo de educação muito parecida. "Hoje, professores e pais pensam e agem de maneira muito semelhante. E os pais estão desnorteados porque as referências educacionais se multiplicaram."
ESCOLA
A escola hoje não serve para
educar. Nem para educar para
vida pública e muito menos para educar para a relação de conhecimento. A escola está mais
preocupada que seus alunos
aprendam conteúdo do que
com a postura que deve ter para
se relacionar com o conhecimento. Até o quinto ano do ensino fundamental, a gente deveria ensinar o que é ser aluno,
o que é ter colegas, o que é agir
coletivamente, quais as posturas físicas e mentais para se relacionar com o conhecimento.
Hoje a gente tem uma grande
dificuldade de trabalhar isso.
Espera-se que o aluno chegue
sabendo o que é ser aluno. Eles
chegam filhos e a escola continua a tratá-los como filhos.
A escola se identificou muito
com a família e perdeu seu caráter profissional. Ela se molda
aos seus alunos e aos pais de
seus alunos. Tem dificuldade
de estabelecer uma conduta
profissional baseada em teorias
e metodologias e vai muito no
agir educativo dos pais, que são
leigos, e a escola não deveria ser
leiga. Hoje, professores e pais
pensam e agem de maneira
muito semelhante.
VIDA FAMILIAR
É uma grande bobagem tentar adequar a escola ao estilo de
vida familiar. Isso restringe
muito os contatos, as relações,
o tipo de visão que a criança
tem do mundo. Restringe muito a ponto de impedir uma vida
democrática, no ponto de vista
das relações. Cada vez mais as
crianças ficam submetidas a
um tipo de educação muito parecida. A partir dos anos 90, a
escola começou a anunciar que
ela era a segunda casa, a segunda família dos alunos. Se uma
família já dá trabalho, imagine
duas. A grande questão é: nós
vamos dar chance para as
crianças aprenderem a conviver com as diferenças ou vamos
cada vez mais colocá-las em
clubes privados onde todos são
semelhantes? Na busca de uma
vida mais democrática, colocar
a criança em uma escola onde
há diversidade é o primeiro
ponto. A função da escola é fazer a passagem da vida privada
para a vida pública.
SELEÇÃO DE ALUNOS
Seleção de alunos é um absurdo. Na verdade, é selecionar
o perfil de aluno que cabe dentro da minha escola, é preconceituoso. O aluno diferente,
não importa a diferença que seja, ele não cabe dentro desse
clube. Por lei, essa seleção não é
permitida, mas as escolas continuam fazendo e os pais se
submetem. Acho uma loucura.
A gente já vê no presente algumas conseqüências disso. A vida pública é cada vez mais privada, jovens adultos evitando o
contato das pessoas nas ruas.
SUPERPROTEÇÃO
Nas últimas décadas, os pais
se incumbiram de uma missão
impossível, que é proteger os filhos da vida. Nesta busca de
proteção, têm cometido equívocos sérios, que comprometem o objetivo fundamental da
educação, que é viver com autonomia. Os pais ensinam os filhos que eles têm muitos direitos e poucos deveres.
Traçar um equilíbrio entre o
cuidar e proteger é a questão.
Não adianta a gente tentar proteger, proteger, porque na hora
que eles saem, e eles saem queira a gente ou não, esse é o mundo em que eles vão viver. O
mundo está perigoso, mas sempre esteve perigoso para os
pais. É claro que o mundo mudou muito. Mas devo ensinar a
saber reconhecer os riscos, a
saber se proteger sem revidar
etc.
SEXUALIDADE
Quando chega na adolescência, o grande acontecimento da
vida é a descoberta da sexualidade. O jovem tem corpo de
adulto e, portanto, pode desfrutar desse mundo da sexualidade. A idéia que fica é que eu desfruto, mas, se eu tiver um problema antes ou depois, alguém
resolve para mim. É fundamental que cada um de nós tenha
uma vida sexual saudável. Mas
há o limite entre o privado e o
público, o que diz respeito à intimidade e o que diz respeito ao
convívio social. Por isso, é preciso demarcar bem essa fronteira. A função dos pais não é
entrar nos segredos dos filhos.
Aliás, tem coisas que é melhor
não saber mesmo.
A questão não é falta de informação [sobre sexo, gravidez
ou doenças sexualmente transmissíveis]. O problema é que
eles não têm maturidade para
usar essas informações. Isso revela que estão chegando na vida
sexual de modo absolutamente
inconseqüente porque são imaturos e porque há adultos respondendo por eles.
O jovem vê a sexualidade como performance corporal, têm
dificuldade de encarar uma relação sem tomar um comprimido tipo Viagra ou Cialis. Achei
que fosse insegurança, mas
descobri que era garantia de diversão por horas, sem perder a
ereção. É um parque de diversão, não é mais o contato de
proximidade de intimidade
com uma pessoa.
CONSUMO
O ideal de consumo hoje é
maior do que qualquer coisa,
provoca angústia, provoca tédio também. O ideal de consumo faz com que a pessoa queira
consumir e não necessariamente desfrutar daquilo que
conquistou. Ele quer, quer e depois que consome não sabe o
que fazer com aquilo. Cresce
assustadoramente o número de
jovens que querem entrar na
faculdade e depois não sabem o
fazer com a faculdade, trocam
de curso, abandonam. É mais
difícil viver hoje porque não há
adultos que estimulem essa visão crítica do jovem. Eles não
pensam criticamente e também adoecem facilmente. Temos muitos jovens com depressão, o índice de suicídios tem
aumentado muito entre os jovens adultos. O grau de insatisfação com a vida é muito grande. Eu devo isso ao ideal de individualismo.
MEDICAMENTOS
É um outro ideal. Nossa sociedade está absolutamente
submetida à medicalização. É
mais um elemento que leva a
essa passividade na vida, como
se as coisas se resolvessem por
mim. Hoje, por incrível que pareça, há escolas que chamam os
pais e os orientam dar ritalina
[medicação usada para déficit
de atenção com hiperatividade]
aos seus filhos. É como se falassem: "Acalma o seu filho para
eu poder trabalhar bem enquanto ele for meu aluno."
Acho que a medicina ainda
vai se redimir dessa medicalização. Hoje há muito estímulo
à hiperatividade. Já que o mundo estimula, vamos conviver
com isso e ensinar nossas
crianças a controlar isso.
PAIS
Os livros de auto-ajuda subestimam a capacidade dos
pais. Não acho que os pais estejam perdidos, as escolas sim estão perdidas. Os pais estão desnorteados. Quando eu fui educada, todos os pais compartilhavam do mesmo norte. Hoje
as referências se multiplicaram. Cada pai olha como vai
educar seu filho e vê múltiplas
referências. Eles ainda acreditam que há norte fora deles,
mas o norte está neles. Não
considero os pais perdidos.
Eles se dedicam mais à educação dos filhos do que as escolas
que os recebem.
LIMITE
Eu usei muito essa palavra e
hoje sou contra o uso dela na
educação. Todo mundo usava
essa palavra e não falava-se em
desobediência. Recebi um dia
uma mãe desesperada porque a
filha, de três anos, não tem limite algum, não aceita a autoridade dela. Se a gente aceita que
o problema é deles, a gente ficará livre de qualquer responsabilidade. Criança não precisa
de limite, precisa é de adulto.
Eles não aprendem os limites
porque, nós adultos, não exercemos bem nosso papel.
CASTIGO
Castigo em crianças com menos de cinco anos eu não entendo. Quando a criança com menos de cinco anos faz ou não faz
o que deveria fazer é porque o
adulto falhou. Nessa idade, a
criança não compreende o castigo como fruto do comportamento que ela teve. A partir dos
seis, sete anos, é possível colocá-lo de castigo mas não como
mera punição com sofrimento.
Mas como demonstração de
que tudo o que você faz, traz
conseqüências, às vezes boas,
às vezes não. Em geral, hoje o
castigo é dado muito no momento em que os pais perdem o
controle das emoções e depois
o sofrimento dos filhos faz com
que os pais afrouxem o castigo.
A gente erra do começo ao fim.
Veja o vídeo da sabatina com Rosely Sayão
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