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Vale-tudo em SP inspira apostas no exterior
Luta realizada em Osasco é transmitida para Las Vegas, onde o sinal é distribuído pela internet; aposta mínima é de US$ 50
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Com a bandeira do Brasil cravada no protetor de boca e um
"Jesus" tatuado nas costas,
Marcelo França, 26, entra no
ringue. O curitibano franzino
se aquece, exibe os músculos e
ostenta o verde-amarelo dos
dentes na cara do adversário.
Menos de três minutos depois,
deixa a jaula de 25 m2 com sangue escorrendo dos lábios e um
rasgo no olho esquerdo.
"Faltou gás", conclui França,
estendido no chão e à sombra
dos holofotes -mais um dentre dezenas de jovens lutadores
que recebem R$ 700 para entrar no ringue, ganhando ou
perdendo. Eles têm transporte
e hotel pagos pela Rio Heroes,
empresa de Miami que organiza lutas de vale-tudo em um
galpão na periferia de Osasco,
na Grande São Paulo.
A luta é transmitida ao vivo
via satélite para Las Vegas, onde o sinal é distribuído pela internet, contornando a lei brasileira ao receber apostas por sites no exterior -um deles com
sede na Costa Rica. Os sites patrocinam o evento e estampam
as suas marcas no ringue.
"Eu sou o juiz, na verdade
mais do que o juiz. Sou um animador. É uma rinha de briga.
Eu boto pilha e torço para
quem está ganhando", diz o
brasileiro Jorge Pereira, vice-presidente da Rio Heroes, que
vira locutor diante das câmeras, anunciando no começo de
cada embate e em inglês tortuoso: "ao vivo, do Rio".
Faixa-preta em jiu-jitsu e cego do olho esquerdo, que rasgou numa luta, Pereira, radicado em Miami, veio ao Brasil a
pedido do empresário Jason
Atkins para recrutar lutadores
de vale-tudo "que brigassem de
verdade" -ou seja, sem luvas,
árbitro ou tempo dividido em
rounds, nos moldes do vale-tudo oficial.
Ele se defende dizendo que
as apostas não são feitas no
Brasil. Acrescenta que tem alvará de funcionamento, quatro
seguranças armados, médicos e
uma ambulância disponíveis
-tudo pelo "amor ao esporte",
já que, diz, os campeonatos não
dão grande retorno financeiro,
embora se recuse a citar cifras.
Mas o prédio na avenida dos
Autonomistas, na periferia de
Osasco, deveria abrigar uma
concessionária de veículos, segundo a prefeitura, e não um
ringue de luta-livre -a assessoria da prefeitura afirmou que
"um fiscal irá vistoriar o local".
Segundo o promotor José
Reinaldo Carneiro, qualquer
coleta de apostas não-regulamentadas pelo governo é contravenção penal, desde que as
apostas no site sejam feitas a
partir do Brasil. Mas os organizadores dizem que os sites bloqueiam lances feitos no país.
Cego pela violência
Muito pouco das apostas feitas pela internet, ao mínimo de
US$ 50, pinga no bolso dos lutadores. Look Macrena, 30, que
já quebrou a mão e clavícula no
vale-tudo, ganha R$ 1.000 por
mês. "A gente se vira como pode. Estou para brigar mesmo, é
soco na cara a toda hora", diz,
atento à luta. "Joelho, joelho",
grita, orientando um lutador.
"A testosterona é alta, mas é
tranqüilo", diz Pamela Vogue,
27, 600 ml de silicone em cada
seio, cabelo oxigenado e microbiquíni amarelo, esperando para entrar no ringue com um
cartaz anunciando a grande final. Por R$ 200 anteontem, ela
e quatro amigas tiraram uma
folga da Solid Gold, boate em
São Paulo onde fazem strip-tease, para colorir a batalha.
No 14º encontro do tipo no
mesmo endereço, cerca de 200
pessoas se espremiam para ver
a rinha humana.
"Quebra a cabeça dele", gritava, grudada na grade da jaula, a
dona de academia Leila Werdini, 42, mulher do treinador de
Ivonildo Cafu -o rapaz massacrado no centro do ringue.
"Eu ajudo, cuido, tenho médico", dizia, enquanto incentivava a continuidade da luta.
Durou 13 minutos, a mais longa
da noite. Tempo suficiente para
Cafu sair carregado depois de
bater a cabeça na grade, desmaiar e vomitar. No dia seguinte, a empresária afirmou: "Ele
está ótimo, pronto para outra".
Colaborou WILLIAN VIEIRA, da Reportagem Local
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