São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Fim de festa

Pressão de moradores força casas noturnas a saírem dos Jardins

Ana Otoni - 9.set.2003/Folha Imagem
Em 2003, faixa da associação de moradores pedia o fechamento das boates na área

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dez anos depois de se consolidar como um dos bairros de vida noturna mais agitada da cidade, os Jardins conseguiram expurgar as boates que se firmaram na região. Só no trecho da rua da Consolação entre as alamedas Itu e Lorena, que já abrigou mais de 30 baladas nos últimos anos e onde havia um vaivém festeiro, não há uma boate sequer. Nenhuma. Zero.
A lista dos ambientes fechados abrange lugares tão ecléticos quanto simbólicos, como o pub O'Malley's e as boates Ultralounge -ícone do movimento gay- e Blue Pepper, que avaliava o "pedigree" dos jovens e cobrava R$ 300 de entrada dos clientes VIP do VIP do VIP e foi uma das últimas a ser fechada, no segundo semestre de 2009.
A resistência ao uso misto do bairro, dizem os donos das casas noturnas fechadas, é materializada na Samorcc, a associação dos moradores. Na vizinhança, as queixas eram de barulho, algazarra e congestionamento nas madrugadas.
Moradores vizinhos às casas noturnas fizeram um sem-fim de abaixo-assinados contra as boates e registraram queixas na delegacia do bairro; algumas delas, por prostituição infantil, viraram inquérito policial.
"A vizinhança começou a reclamar e tivemos de intervir. Mandamos às autoridades competentes. Os moradores de uma região onde havia uma concentração enorme de pessoas agora comemoram o resgate do sossego", diz Célia Marcondes, diretora da associação.
De 2006 para cá, a Subprefeitura de Pinheiros informa ter fechado oito lugares por falta de licença de funcionamento, muitos dos quais polarizavam outras casas em órbita. Com o fim das boates chaves, uma a uma foi fechando as portas.
"A lei de zoneamento diz que os Jardins podem ter um uso misto. O que não pode é a boate trazer incomodidade aos vizinhos", diz Orlando de Almeida, secretário de Controle Urbano.
Dono do antigo Ultralounge, Bob Yang conta que a maior dificuldade para manter a boate foi a intervenção dos moradores e que não quer abrir outra casa noturna nos Jardins.
"Foi comprar dor de cabeça. Eles exercem um poder de denúncia que é bastante forte e têm muita influência para conseguir uma fiscalização pesada. Os órgãos vieram todos de uma só vez", afirma Yang.
Depois de ter a primeira boate no lado direito da Consolação fechada por irregularidades com o zoneamento, ele abriu outra no lado esquerdo da mesma quadra, também fechada.
"A associação dos moradores não queria mais casas noturnas nos Jardins. Fizeram uma varredura nas boates para o bairro se tornar só residencial. Mesmo quem tinha alvará acabou sendo fechado", diz Ronaldo Rinaldi, dono do antigo Atari.
Para a urbanista Regina Meyer, coordenadora do Laboratório de Urbanismo da Metrópole da USP, a prefeitura tem de criar regras rígidas para o uso misto, que faz parte da dinâmica das cidades.
"São Paulo não foi preparada para o uso misto. As pessoas passam o tempo todo batalhando contra isso, mas é o futuro da cidade", afirma Meyer.
Coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, José Guilherme Magnani diz que o uso dos bairros é resultado de negociação, mais do que planejamento da prefeitura.
"Se os moradores têm mais força política, conseguem impor seu ponto de vista. E foi o que ocorreu nos Jardins. Os lugares foram para outras regiões onde a correlação de forças é diferente, mas o que faz a riqueza da cidade é o uso misto", diz.

Migração
Dos Jardins, a vida noturna migrou para o lado das ruas Bela Cintra e Augusta voltado para o centro e para os galpões industriais da Lapa e da Barra Funda, na zona oeste.
Vizinha de muro da antiga Blue Pepper, a síndica Iara Coelho diz que os moradores já se mobilizaram para fechar a nova boate ainda sem nome que abriu no lugar e que três baladas irregulares já foram expulsas do entorno desde 2006.
"É um barulho de bate-estaca contínuo. Não conseguimos dormir, nossa vida está um inferno. Estamos fazendo quatro abaixo-assinados para os órgãos públicos e para a Promotoria", afirma Coelho.
"O cachorro se muda e leva as pulgas. Se fazia barulho aqui, vai incomodar os vizinhos do mesmo jeito para onde quer que vá", diz o empresário Fernando Pereira, antigo frequentador da noite dos Jardins. "O que muda é o poder de influência dos vizinhos", afirma Yang.


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