São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Procurador é maior autor de sambas-enredo no Rio

Baeta Neves, o Didi, morto em 1987 aos 52 anos, levou 24 músicas à avenida

Autor de clássicos como "É Hoje" e "O Amanhã" chegou a brigar com a mãe, que discordava de seu envolvimento com o samba


FÁBIO GRELLET
DA SUCURSAL DO RIO

Figura constante nos tribunais do Rio de Janeiro nos anos 1970, o procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves morreu em 1987 e não deixou obras como jurista. Mais de duas décadas após sua morte, porém, não há Carnaval em que as músicas que ele compôs não ecoem pelas ruas e salões de todo o país.
Autor de clássicos como "O Amanhã" ("A cigana leu o meu destino, eu sonhei") e "É Hoje" ("A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela"), Baeta Neves -ou Didi, como ficou conhecido- é o maior vencedor de disputas de sambas de enredo da história do Carnaval carioca, dizem pesquisadores.
Em 52 anos de vida, levou 24 sambas ao desfile -16 na União da Ilha, 4 no Salgueiro e 4 no bloco Boi da Freguesia, que deu origem à escola Boi da Ilha.
O que hoje soa como motivo de orgulho era, nos anos 1950, uma vergonha para sua família. "Ele brigou com a mãe e nunca mais falou com ela", conta Alberto Mussa, sobrinho do compositor e autor, em parceria com Luiz Antonio Simas, do livro "Samba de Enredo - História e Arte", recém-lançado pela editora Civilização Brasileira.
A família do sambista havia sido muito rica, mas perdeu a fortuna quando o pai dele morreu, com apenas 35 anos, em 1937. Nessa época, Baeta Neves tinha apenas dois anos e sua família se mudou do Méier, onde chegou a ter motorista particular, para a ilha do Governador, onde ocupou um porão.
Aos 19 anos, em 1955, o compositor venceu sua primeira disputa de samba-enredo, na União da Ilha. Para amenizar broncas em casa, assinou usando o apelido Didi. Enfrentando o preconceito da família, ele continuou concorrendo e quase sempre vencendo. Em 1967 e 1968 concorreu também no Salgueiro e venceu, mas não assinou a autoria, ainda hoje atribuída apenas a Aurinho da Ilha.
Em 1971, casado com uma mulher que também criticava seu envolvimento com o samba, segundo Mussa, Didi se afastou do Carnaval. A decisão não durou mais que sete anos.
Antes da folia de 1978, já com outra mulher e após abandonar o cargo de procurador, ele voltou à ala de compositores da União da Ilha. Mas as regras da ala exigiam um ano de "carência", em que ele não poderia disputar o samba. Por isso, diz Mussa, "O Amanhã" foi assinada apenas por João Sérgio.
Em 83 concorreu na Ilha e no Salgueiro, ambas do Grupo Especial. Embora não figurasse como autor no Salgueiro, a notícia se espalhou e o samba de Didi foi descartado pela Ilha. Mas ele venceu no Salgueiro. Nos dois anos seguintes, voltou a vencer a disputa na Ilha.
Em 1987, Didi voltou a vencer no Salgueiro. Vítima de um derrame e portador de cirrose, não pode ir à escola na noite da escolha do samba. Morreu em abril, sem deixar filhos.
Quatro anos depois, o compositor virou enredo da União da Ilha. O samba que o homenageou diz: "Hoje eu vou tomar um porre, não me socorre, que eu tô feliz". "É um retrato fiel da rotina e do espírito dele", afirma o sobrinho.


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