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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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SEGURANÇA

Combate ao crime organizado é secundário, segundo planejamento das ações para 2003-2006

PF prioriza sem-teto e Colômbia

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O estudo do planejamento das ações da Polícia Federal para o período de 2003 a 2006 apontou como prioridades máximas para o órgão monitorar a "escalada da crise colombiana" e a "radicalização dos movimentos reivindicatórios rurais e urbanos".
O combate ao crime organizado -relacionado, nos últimos 15 dias, ao assassinato de dois juízes- só aparece como uma prioridade "média", no contexto de uma "degradação social pela exacerbação da criminalidade". Acima dele, surge como preocupação importante da PF uma certa "criação de um Estado soberano indígena" na Amazônia Legal.
O estudo, de caráter reservado, foi realizado ainda no governo FHC sob ordens da direção geral da PF entre 2001 e 2002 e sofreu uma atualização em dezembro último. Mas continua valendo como diretriz principal do órgão. Cerca de 20 delegados da PF e uma empresa contratada, a consultoria carioca Brainstorming, de um militar reformado da Marinha, formam o grupo de estudo.
O diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, informado pela Folha sobre os detalhes do documento, discordou dos resultados e disse que vai mudar a escala de prioridades (veja texto abaixo).
Entre as medidas, o documento credita como de "alta prioridade": "realizar operações que visem a um trabalho preventivo às ações dos movimentos sociais contrários ao interesse público".
"Trabalho preventivo", no jargão dos agentes federais, inclui monitoramento telefônico e acompanhamento nas ruas dos "alvos" (no caso, líderes de entidades do setor). Em outro trecho, é recomendado "monitorar" os movimentos sociais.
A medida a respeito dos movimentos sociais ganhou o número nove, numa lista de 43 ações mais urgentes. A medida de número 32, com prioridade apenas "média", é justamente "complementar e atualizar os trabalhos de mapeamento dos locais de atuação do crime organizado no Brasil e dar prosseguimento às ações de combate ao mesmo".
Citando especificamente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) três vezes, o estudo diz que é grande a possibilidade de os movimentos sociais rurais, com invasões de terras e de órgãos públicos, acabarem por "abalar a estabilidade do regime democrático brasileiro". Alega ainda que há risco sério de haver uma "junção" entre movimentos guerrilheiros da Colômbia e os militantes das entidades brasileiras rurais e urbanas.
Os resultados do estudo geraram grande controvérsia no próprio grupo de planejamento. O delegado Armando Coelho Neto, 51, integrante do grupo e presidente da Federação Nacional dos Delegados Federais, disse que protestou diversas vezes durante as discussões, até por escrito.
"No caso específico da Colômbia, houve influência marcante da empresa contratada, que defendia ponto de vista militar e direitista", disse Coelho.
O presidente da federação disse que o estudo foi "contaminado" por questionários "até certo tempo tendenciosos". "A prioridade máxima da PF deve ser o combate ao crime organizado e ao narcotráfico. Essa é a questão fundamental", disse Coelho.
O militar reformado e professor da Escola de Guerra Naval Raul Grumbach, 51, proprietário da Brainstorming, disse que a empresa não realizou os questionários nem concorreu para os resultados. Teria apenas fornecido programa de computador e metodologia. Grumbach participou das discussões sobre as metas e prioridades da PF. Hoje, concorda que o combate ao crime deveria receber prioridade mais alta.
"A situação no país mudou de lá [dezembro de 2002" para cá. O próprio estudo prevê a necessidade de atualizações constantes", afirma. O contrato com a empresa, arcado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), foi de R$ 89 mil.
O estudo teve duas etapas: na primeira, 300 pessoas de diversos setores do país receberam um questionário com três perguntas. Foram ouvidos autoridades civis e militares, jornalistas e empresários. Só alguns nomes foram divulgados, do jornalista Alexandre Garcia e do empresário Rolim Amaro, da TAM, morto em 2001.
A partir das respostas ao questionário, o grupo sistematizou e debateu os temas durante um ano, em reuniões mensais em Brasília. O resultado final circulou em apenas três cópias: para a direção geral, a coordenação de planejamento e o PNUD.

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