|
Próximo Texto | Índice
SEGURANÇA
Combate ao crime organizado é secundário, segundo planejamento das ações para 2003-2006
PF prioriza sem-teto e Colômbia
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O estudo do planejamento das
ações da Polícia Federal para o período de 2003 a 2006 apontou como prioridades máximas para o
órgão monitorar a "escalada da
crise colombiana" e a "radicalização dos movimentos reivindicatórios rurais e urbanos".
O combate ao crime organizado
-relacionado, nos últimos 15
dias, ao assassinato de dois juízes- só aparece como uma prioridade "média", no contexto de
uma "degradação social pela exacerbação da criminalidade". Acima dele, surge como preocupação
importante da PF uma certa "criação de um Estado soberano indígena" na Amazônia Legal.
O estudo, de caráter reservado,
foi realizado ainda no governo
FHC sob ordens da direção geral
da PF entre 2001 e 2002 e sofreu
uma atualização em dezembro último. Mas continua valendo como diretriz principal do órgão.
Cerca de 20 delegados da PF e
uma empresa contratada, a consultoria carioca Brainstorming,
de um militar reformado da Marinha, formam o grupo de estudo.
O diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, informado pela Folha sobre os detalhes do documento,
discordou dos resultados e disse
que vai mudar a escala de prioridades (veja texto abaixo).
Entre as medidas, o documento
credita como de "alta prioridade":
"realizar operações que visem a
um trabalho preventivo às ações
dos movimentos sociais contrários ao interesse público".
"Trabalho preventivo", no jargão dos agentes federais, inclui
monitoramento telefônico e
acompanhamento nas ruas dos
"alvos" (no caso, líderes de entidades do setor). Em outro trecho,
é recomendado "monitorar" os
movimentos sociais.
A medida a respeito dos movimentos sociais ganhou o número
nove, numa lista de 43 ações mais
urgentes. A medida de número
32, com prioridade apenas "média", é justamente "complementar e atualizar os trabalhos de mapeamento dos locais de atuação
do crime organizado no Brasil e
dar prosseguimento às ações de
combate ao mesmo".
Citando especificamente o MST
(Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) três vezes, o estudo diz que é grande a possibilidade de os movimentos sociais
rurais, com invasões de terras e de
órgãos públicos, acabarem por
"abalar a estabilidade do regime
democrático brasileiro". Alega
ainda que há risco sério de haver
uma "junção" entre movimentos
guerrilheiros da Colômbia e os
militantes das entidades brasileiras rurais e urbanas.
Os resultados do estudo geraram grande controvérsia no próprio grupo de planejamento. O
delegado Armando Coelho Neto,
51, integrante do grupo e presidente da Federação Nacional dos
Delegados Federais, disse que
protestou diversas vezes durante
as discussões, até por escrito.
"No caso específico da Colômbia, houve influência marcante da
empresa contratada, que defendia
ponto de vista militar e direitista",
disse Coelho.
O presidente da federação disse
que o estudo foi "contaminado"
por questionários "até certo tempo tendenciosos". "A prioridade
máxima da PF deve ser o combate
ao crime organizado e ao narcotráfico. Essa é a questão fundamental", disse Coelho.
O militar reformado e professor
da Escola de Guerra Naval Raul
Grumbach, 51, proprietário da
Brainstorming, disse que a empresa não realizou os questionários nem concorreu para os resultados. Teria apenas fornecido
programa de computador e metodologia. Grumbach participou
das discussões sobre as metas e
prioridades da PF. Hoje, concorda que o combate ao crime deveria receber prioridade mais alta.
"A situação no país mudou de lá
[dezembro de 2002" para cá. O
próprio estudo prevê a necessidade de atualizações constantes",
afirma. O contrato com a empresa, arcado pelo PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento), foi de R$ 89 mil.
O estudo teve duas etapas: na
primeira, 300 pessoas de diversos
setores do país receberam um
questionário com três perguntas.
Foram ouvidos autoridades civis
e militares, jornalistas e empresários. Só alguns nomes foram divulgados, do jornalista Alexandre
Garcia e do empresário Rolim
Amaro, da TAM, morto em 2001.
A partir das respostas ao questionário, o grupo sistematizou e
debateu os temas durante um
ano, em reuniões mensais em
Brasília. O resultado final circulou
em apenas três cópias: para a direção geral, a coordenação de planejamento e o PNUD.
Próximo Texto: Frases Índice
|