São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2006

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ADMINISTRAÇÃO

Hábil nos bastidores, pefelista não era o preferido do prefeito José Serra para dividir a chapa nas eleições

Vice à força, Kassab apostava na renúncia

DA REPORTAGEM LOCAL

Zagueiro do time de futebol do clube Pinheiros nos anos 70, Beto era o único dos garotos que nunca se importou em ficar no banco de reservas. De lá, estudava os adversários e ajudava a elaborar a estratégia para derrotá-los.
Trinta anos depois, com um perfil mais rotundo que o da juventude e demonstrando habilidade política nos bastidores, Beto, como era conhecido Gilberto Kassab, abandona agora o banco e chega à maior vitória de sua carreira ao assumir, a partir de hoje, a Prefeitura de São Paulo.
Assume na carona dos 3,3 milhões de votos obtidos pelo tucano José Serra há um ano e meio e por uma seqüência de acontecimentos que mistura sorte a um apurado faro político -ele sempre apostou que o tucano deixaria o cargo. Em conversas informais, Kassab repete a frase que define o seu raciocínio: "Em política, o que tem lógica acaba acontecendo".
Em junho de 2004, ele entrou na campanha de Serra pela porta lateral. O pefelista não era o vice sonhado pelo tucano. Foi imposto pelo PFL na formação da chapa, dois anos após Kassab ter articulado e emplacado Cláudio Lembo como vice de Geraldo Alckmin -hoje presidenciável tucano.
Serra tinha preferência por alguém com menos autonomia política e contra quem não pesassem suspeitas. Não é o caso de Kassab.
Ex-integrante da tropa de choque de Paulo Maluf na Câmara Municipal, ex-secretário da gestão Celso Pitta e afilhado político do senador Jorge Bornhausen (PFL), Kassab já respondeu a uma série de acusações.
Empregou parente na administração pública, foi acusado de enriquecimento ilícito e ficou sob os holofotes após a polícia apreender uma mala com US$ 130 mil numa rodovia paulista -valor que, segundo o motorista que a levava, pertencia a Kassab.
Não sofreu, no entanto, condenação. A apuração sobre o seu patrimônio, que cresceu 316% nos quatro anos em que foi deputado estadual e trabalhou com Pitta, foi arquivada pelo Ministério Público Estadual, que considerou justificável o seu enriquecimento.
"É tudo fruto de meu sucesso empresarial", costuma dizer Kassab, que tem um patrimônio de R$ 3,9 milhões, segundo a declaração que ele entregou em 2004 ao Tribunal Regional Eleitoral.
O futuro prefeito é sócio de quatro empresas, nos setores de engenharia, agropecuária e de transporte. Um de seus irmãos, Pedro, é consultor na área de transporte e presta serviços para empresas de ônibus que operam na cidade.

Formação acadêmica
Formado em economia e engenharia pela Universidade de São Paulo, Kassab foi vereador por dois anos (1993-94), deputado estadual por quatro (1995-99) e federal por seis (1999-2004).
Em todos esses anos, o pefelista apresentou dezenas de projetos de lei. Exceto nomeações de ruas e títulos de cidadão, apenas um deles foi aprovado e sancionado -criando o conselho municipal de telecomunicações, que nem sequer existe mais.
Algumas de suas propostas ainda tramitam no Congresso, como a criação de fundos para a universalização dos serviços de telecomunicações, com medidas como a redução de tarifas.
Chamado por colegas de partido de "um enxadrista político", Kassab ganhou força no PFL após apaziguar disputas internas e levar Lembo ao cargo de vice na chapa de Alckmin. Também participou da composição política que levou em 2005 o seu amigo e sócio, o deputado estadual Rodrigo Garcia, à presidência da Assembléia Legislativa -derrotando o candidato de Alckmin.

Perfil
Hábil com as palavras, mas avesso aos microfones da imprensa, Kassab tem um perfil bem diferente do palmeirense Serra.
Aos 45 anos, o são-paulino Kassab não joga mais futebol. Prefere jogos de tênis e caminhadas na pista do clube, que começam às 6h30, logo depois de devorar quatro jornais.
José Serra, por sua vez, é noctívago e costuma mandar e-mails a assessores de madrugada.
Kassab é solteiro. Diz que nunca teve um relacionamento duradouro nem filhos porque o trabalho toma todo seu tempo. Serra é casado e tem dois filhos.
O pefelista é descendente de imigrantes libaneses. O tucano, de italianos. Kassab sempre viveu na área central, em zona nobre da cidade, e estudou em escolas particulares. Serra cresceu na Mooca e freqüentou colégios públicos na maior parte da vida.
Kassab diz adorar música sertaneja. De alguns anos para cá, não tem lido livros, mas apenas relatórios econômicos e jornais. Já o tucano se diz apaixonado por leitura e cinema.
O futuro prefeito não sabe cozinhar. Adora doces, queijos e vinhos e é visto com freqüência em restaurantes italianos.
Há dois pontos de convergência na trajetória desses paulistanos. O primeiro, de natureza territorial: eles chegaram a morar por anos na mesma rua, em Alto de Pinheiros, embora nunca tenham se encontrado nas vias do bairro.
O segundo, de natureza política, num marco histórico que está programado para ocorrer hoje, ainda que de maneira figurativa: o dia em que Serra entregará a Kassab a chave da cidade.
(FABIO SCHIVARTCHE e CONRADO CORSALETTE)

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