São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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Manifesto exige desmilitarização do setor

Em texto apócrifo, os controladores de vôo cobraram também o fim de represálias e gratificação salarial emergencial

Divulgado de forma a evitar a identificação dos autores, documento não previa a paralisação, e sim a greve de fome e o aquartelamento


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documento apócrifo, o manifesto dos controladores foi divulgado ontem pela manhã pela Ifatca (federação internacional dos controladores) para evitar que os autores fossem identificados e punidos. O plano descrito era o de realizar um aquartelamento voluntário e greve de fome -não havia menção de uma paralisação completa das atividades.
Quatro reivindicações foram listadas: fim de punições militares, gratificação salarial emergencial, desmilitarização do setor e participação dos controladores no processo de transição. Trechos do manifesto chegaram a circular anteontem pela internet, além de indícios de que iria ocorrer um protesto. A FAB negou a existência de qualquer protesto.
Antes do manifesto, a ABCTA (Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo) emitiu uma nota oficial em seu site no qual condenava "atos radicais." Leia a seguir a íntegra do documento.

 

A quem são atribuídas as paralisações do tráfego aéreo em virtude de fenômenos naturais como chuvas e nevoeiros?
Quem, ao tentar expor as verdadeiras situações do tráfego aéreo nos livros de ocorrências dos órgãos operacionais, sofre perseguições da chefia militar?
Quem é acusado de insubordinado e sindicalista ao executar uma operação de segurança que consta em norma internacional de aviação civil?
Quem é o principal suspeito ao ocorrerem panes no sistema de comunicação, queda de energia ou overbooking de empresas aéreas?
Quem é o profissional obrigado a monitorar vôos e milhares de vidas acima do recomendado pelas normas de segurança?
Quem é o militar aquartelado sem o direito de protestar pela falta de operadores?
Quem é o profissional que tem sua dispensa médica ou férias interrompidas pela convocação de oficiais superiores a fim de suprir a falta de operadores?
Quem passa os dias trabalhando com equipamentos obsoletos e prejudiciais à saúde?
Quem tem de se desdobrar para prestar serviço seguro quando ocorrem falhas de comunicação nas chamadas zonas cegas?
Para todas estas perguntas, uma resposta nos parece comum: o controlador de tráfego aéreo.
Passados seis meses de crise, não há nenhuma sinalização positiva para as dificuldades enfrentadas pelos controladores de tráfego aéreo. Ao contrário, as mesmas agravaram-se.
Não bastassem as dificuldades de ordem técnica-trabalhista, somos também acusados de sabotadores, numa tentativa de encobrir as falhas de gestão do sistema.
Nestes meses de crise, passamos por diversas degradações, as quais já ocorreram várias vezes anteriormente, mas não em um espaço tão curto:
1. Queda do sistema de vigilância radar em Curitiba, devido à tempestade;
2. Queda das freqüências do setor norte de Curitiba, devido a raio em Campo Grande;
3. Queda das comunicações em Brasília (SITTI);
4. Vários fechamentos de Congonhas devido à chuva forte;
5. Falta de aeronaves reservas para suprir panes em aeronaves no Natal;
6. Queda do sistema de tratamento de plano de vôo de Brasília e
7. Pane no sistema de Aproximação por Instrumentos de Guarulhos
O único evento comprovado que houve relação direta com o profissional de Controle de Tráfego Aéreo foi na semana de Finados, quando não havia controlador suficiente para compor as equipes operacionais. Nas demais degradações, NUNCA houve ato de sabotagem por parte desse profissional que trabalha para prover a segurança, e não atos de terrorismo. Apenas para lembrar a sociedade brasileira, o evento da queda das comunicações de Brasília foi causado por imperícia de um tenente da Força Aérea Brasileira, que não pertence ao quadro de Controle de Tráfego Aéreo. Vale ressaltar que o acesso às salas técnicas é restrito, não sendo permitida a entrada de nenhum técnico de outra área. Posteriormente o próprio comandante da Força admitiu que o equipamento já estava "bastante desgastado".
O último evento em Guarulhos, o qual tanto o presidente da República quanto o ministro da Defesa, apressaram-se em levantar a tese de sabotagem outra vez. Infelizmente quem está de fora e não recebe as informações corretas só pode pensar em sabotagem, mas a verdade mais uma vez veio à tona: desde fevereiro o equipamento aguarda liberação para seu uso. Uma investigação mais aprofundada irá comprovar que há anos que este equipamento apresenta falhas, assim como há vários outros pelo país afora com problemas.
Sempre reportamos as deficiências do sistema, mas nunca deram a devida atenção, acusando-nos de sermos críticos demais.
A incompatibilidade entre a vida militar e o controle de tráfego aéreo já foi denunciada pela OACI, Organização da Aviação Civil Internacional, e pela OIT, Organização Internacional do Trabalho:
Segundo a OIT, "A profissão de controlador de tráfego aéreo é única e traz consigo características específicas que devem ser levadas em consideração e, quando identificados problemas, que se trate de buscar soluções".
"Os conflitos trabalhistas no controle de tráfego aéreo se devem a diversas causas. Em particular parece que existe uma correlação entre seu aparecimento e o reconhecimento inadequado da profissão; a qualidade do equipamento; a falta de capacidade dos sistemas para fazer frente aos períodos de pico de tráfego aéreo; assim como os problemas relativos aos salários e às condições de trabalho.
Desta forma, os controladores devem participar, por meio de suas organizações representativas análogas, na determinação de suas condições de emprego e de serviço. Além do que os controladores devem ser consultados sobre o desenho, a planificação e a aplicação das condições técnicas relativas aos sistemas de controle de tráfego aéreo.
O Brasil vive momentos inéditos de democracia e transparência com o resgate dos valores da ética, do respeito, com a coisa pública, os direitos da coletividade, momento histórico que, repise-se, não se coaduna com a "caixa-preta" que se tomou o controle de tráfego aéreo brasileiro.
Chegamos ao limite da condição humana, não temos condições de continuar prestando este serviço, que é de grande valia ao país, da forma como estamos sendo geridos e como somos tratados. NÃO CONFIAMOS NOSSOS EQUIPAMENTOS E NÃO CONFIAMOS NOS NOSSOS COMANDOS!
Estamos trabalhando com os fuzis apontados para nós, vários representantes de associações LEGAIS estão sendo perseguidos, com afastamentos e transferências arbitrárias. A represália do alto escalão militar contra os sargentos controladores tem gerado tamanha insatisfação que não suportaremos calados em meio à tamanha injustiça e impunidade aos verdadeiros responsáveis pelo caos. Clamamos por mudanças tão quanto os passageiros desesperados por soluções imediatas. Devido à desesperança que se abateu sobre os profissionais de tráfego aéreo a partir do dia 30 de março, os controladores de tráfego aéreo do Brasil irão se auto-aquartelar e iniciar greve de fome até que o governo atenda as nossas REIVINDICAÇÕES:
1. Fim das perseguições e retorno imediato dos representantes de associações e supervisores afastados de suas funções de origem;
2. Criação de uma gratificação emergencial para os controladores de tráfego aéreo;
3. Início da desmilitarização conforme proposta do GTI com absorção voluntária da mão-de-obra dos atuais controladores de tráfego aéreo militares;
4. Nomeação de uma comissão com representantes do Poder Executivo e dos controladores (civis e militares), a fim de acompanhar as mudanças no tráfego aéreo nacional. Mudanças que devem ser assumidas formalmente pelo governo federal, já que até o momento não há nenhum compromisso institucional neste sentido.


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