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ANÁLISE
Voar passou a ser uma opção de alto risco
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Os controladores de vôo, na
maioria sargentos, se auto-aquartelam, param os aeroportos da capital da República e de
todo o país, até fechar o espaço
aéreo nacional. E ganham a
guerra. Suas reivindicações serão atendidas. O que eles demonstraram de força e articulação o governo mostrou de fraqueza e desarticulação.
Foi a história de um apagão
anunciado, mas o governo não
se preparou. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva estava nos
EUA, o vice José Alencar não
tem idéia do que fazer, o ministro da Defesa, Waldir Pires, só
fala no "estado democrático de
direito" e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti
Saito, parece cego em tiroteio.
Quem assumiu? O ministro do
Planejamento, Paulo Bernardo! Não é sério.
A Defesa, a Aeronáutica, a Infraero e os controladores trocam acusações há meses, enquanto as companhias aéreas
tiram uma "casquinha". Lula
não viu, não sabia, mas determinou uma solução "urgente".
"Urgente", para Pires, é seguir fazendo reuniões que não
dão em nada, para entregar um
relatório daqui a uns 15 dias sobre o que todo mundo sabe: o
sistema e seus agentes estão
completamente fora de controle. Voar passou a ser uma opção
de alto risco.
O sistema era considerado
equivalente aos melhores do
mundo, mais de 95% dos vôos
das principais companhias
saíam no horário e, apesar da
quebra da Varig e do aumento
expressivo do número de passageiros, tudo parecia em paz.
Depois da queda do Boeing
da Gol, em 29 de setembro, tudo mudou. A versão de que o
sistema estava podre e ruiu não
resiste ao óbvio. Um sistema
assim não implode da noite para o dia. O mais provável é que
esteja sendo explodido.
O que ocorreu foi uma seqüência de erros do governo.
Os controladores fizeram no
fim do ano uma operação-padrão que praticamente parou
os aeroportos, Pires atropelou a
hierarquia militar para negociar com sargentos insubordinados, e Lula jogou o ministro
do Trabalho na negociação.
Uma questão de disciplina foi
tratada como sindical. Pior:
sem atender as reivindicações,
algumas delas justas. O governo errou na forma e no conteúdo: minou a autoridade do comando militar e não ganhou a
boa vontade dos manifestantes.
O efeito foi em cascata. A Aeronáutica ficou perdida, os controladores se organizaram, as
companhias passaram a camuflar cancelamentos convenientes e começou o lado mais preocupante de todo o caos: súbitas
e praticamente inéditas panes.
Foram duas em dezembro,
uma no rádio do Cindacta-1, de
Brasília, e outra seis dias depois
no radar do Cindacta-2, de Curitiba. Em março, foram mais
duas, uma novamente em Brasília e outra quatro dias depois,
em Curitiba. Não há um só oficial da Aeronáutica que não
desconfie de ato político, mas a
tão famosa inteligência militar
não chega a lugar nenhum.
O governo está desgovernado, os controladores estão descontrolados, e a população, à
mercê de uma situação que, definitivamente, não é coisa de
país sério. Na terça-feira, começa a desmilitarização do setor. Mas a crise continua.
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