São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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ANÁLISE

Voar passou a ser uma opção de alto risco

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Os controladores de vôo, na maioria sargentos, se auto-aquartelam, param os aeroportos da capital da República e de todo o país, até fechar o espaço aéreo nacional. E ganham a guerra. Suas reivindicações serão atendidas. O que eles demonstraram de força e articulação o governo mostrou de fraqueza e desarticulação.
Foi a história de um apagão anunciado, mas o governo não se preparou. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava nos EUA, o vice José Alencar não tem idéia do que fazer, o ministro da Defesa, Waldir Pires, só fala no "estado democrático de direito" e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, parece cego em tiroteio. Quem assumiu? O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo! Não é sério.
A Defesa, a Aeronáutica, a Infraero e os controladores trocam acusações há meses, enquanto as companhias aéreas tiram uma "casquinha". Lula não viu, não sabia, mas determinou uma solução "urgente".
"Urgente", para Pires, é seguir fazendo reuniões que não dão em nada, para entregar um relatório daqui a uns 15 dias sobre o que todo mundo sabe: o sistema e seus agentes estão completamente fora de controle. Voar passou a ser uma opção de alto risco.
O sistema era considerado equivalente aos melhores do mundo, mais de 95% dos vôos das principais companhias saíam no horário e, apesar da quebra da Varig e do aumento expressivo do número de passageiros, tudo parecia em paz.
Depois da queda do Boeing da Gol, em 29 de setembro, tudo mudou. A versão de que o sistema estava podre e ruiu não resiste ao óbvio. Um sistema assim não implode da noite para o dia. O mais provável é que esteja sendo explodido.
O que ocorreu foi uma seqüência de erros do governo. Os controladores fizeram no fim do ano uma operação-padrão que praticamente parou os aeroportos, Pires atropelou a hierarquia militar para negociar com sargentos insubordinados, e Lula jogou o ministro do Trabalho na negociação.
Uma questão de disciplina foi tratada como sindical. Pior: sem atender as reivindicações, algumas delas justas. O governo errou na forma e no conteúdo: minou a autoridade do comando militar e não ganhou a boa vontade dos manifestantes.
O efeito foi em cascata. A Aeronáutica ficou perdida, os controladores se organizaram, as companhias passaram a camuflar cancelamentos convenientes e começou o lado mais preocupante de todo o caos: súbitas e praticamente inéditas panes.
Foram duas em dezembro, uma no rádio do Cindacta-1, de Brasília, e outra seis dias depois no radar do Cindacta-2, de Curitiba. Em março, foram mais duas, uma novamente em Brasília e outra quatro dias depois, em Curitiba. Não há um só oficial da Aeronáutica que não desconfie de ato político, mas a tão famosa inteligência militar não chega a lugar nenhum.
O governo está desgovernado, os controladores estão descontrolados, e a população, à mercê de uma situação que, definitivamente, não é coisa de país sério. Na terça-feira, começa a desmilitarização do setor. Mas a crise continua.


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