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ANÁLISE
Nosso destino tem sido perder a guerra e computar as baixas
BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A volta de epidemias de dengue no Brasil está completando
24 anos. Nesse período, as ocorrências persistem seguindo
seus formatos epidemiológicos
naturais. Especulando de forma
otimista, talvez a única coisa
que tenhamos conseguido até
hoje seja evitar um maior número de casos ou mortes do que
ocorreria se o fenômeno fosse
abandonado à própria sorte.
Para propor uma alternativa
a esse cenário, é preciso considerar que o combate à dengue
exige ao menos duas coisas: responsabilidade política dos gestores institucionais em tomar
decisões claras e objetivas; e
comprometimento dos indivíduos uns com os outros, num
modelo de relações mais solidário, menos individualista, menos competitivo e menos heterodepreciativo do que o vigente.
Isso exige profunda reflexão
sobre o que temos feito tanto no
plano institucional quanto no
individual. É preciso, pois, extrapolar nossa percepção sobre
esse agravo para além da compreensão ecobiológica com a
qual temos trabalhado.
Trata-se de compreendê-la
como um fenômeno, também,
de natureza antropológica, política e sociocultural contextualizado no modelo de desenvolvimento e de relações sociais.
Epidemiologicamente, a dengue tem três estágios de ocupação do espaço social: no primeiro, os homens criam condições
ambientais favoráveis à instalação do mosquito transmissor,
especialmente relacionadas à
organização do meio urbano; no
segundo, o vetor se instala e
anuncia sua presença.
Nesse momento, tanto a negligência dos gestores públicos
quanto a das pessoas em relação
à qualidade do espaço físico e
social já subtraíram nossa oportunidade de controle. Ou seja,
não conseguimos mais evitar a
proliferação do mosquito.
No terceiro estágio, a epidemia se estabelece e nos resta socorrer as vítimas. Estamos nessa fase. Como não nos preparamos, também, para esse momento, tendo em vista que precarizamos o sistema de saúde,
nosso destino tem sido perder a
guerra e computar as baixas.
Nossa esperança consiste na
utopia de imaginar que os quatro sorotipos do vírus circulem,
imunizem boa parte da população e nos deem um período de
trégua até que se acumulem novos indivíduos susceptíveis e as
epidemias voltem com, no mínimo, a mesma agressividade.
Mas isso seria nossa sucumbência a uma fatalidade sobre a
qual temos amplas possibilidades de enfrentamento. Para isso, precisamos de ações políticas competentes e responsáveis
para tirar o sistema de saúde do
fosso tanto quanto de atitudes
individuais e coletivas para não
deixarmos garrafas, copos descartáveis, pneus, reservatórios e
outros acumuladores de água à
disposição do Aedes aegypti.
BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO é epidemiologista, doutor em medicina tropical e professor-adjunto no Departamento de Medicina da
Universidade Federal de São Carlos
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