São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2010

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ANÁLISE

Nosso destino tem sido perder a guerra e computar as baixas

BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A volta de epidemias de dengue no Brasil está completando 24 anos. Nesse período, as ocorrências persistem seguindo seus formatos epidemiológicos naturais. Especulando de forma otimista, talvez a única coisa que tenhamos conseguido até hoje seja evitar um maior número de casos ou mortes do que ocorreria se o fenômeno fosse abandonado à própria sorte.
Para propor uma alternativa a esse cenário, é preciso considerar que o combate à dengue exige ao menos duas coisas: responsabilidade política dos gestores institucionais em tomar decisões claras e objetivas; e comprometimento dos indivíduos uns com os outros, num modelo de relações mais solidário, menos individualista, menos competitivo e menos heterodepreciativo do que o vigente. Isso exige profunda reflexão sobre o que temos feito tanto no plano institucional quanto no individual. É preciso, pois, extrapolar nossa percepção sobre esse agravo para além da compreensão ecobiológica com a qual temos trabalhado.
Trata-se de compreendê-la como um fenômeno, também, de natureza antropológica, política e sociocultural contextualizado no modelo de desenvolvimento e de relações sociais.
Epidemiologicamente, a dengue tem três estágios de ocupação do espaço social: no primeiro, os homens criam condições ambientais favoráveis à instalação do mosquito transmissor, especialmente relacionadas à organização do meio urbano; no segundo, o vetor se instala e anuncia sua presença.
Nesse momento, tanto a negligência dos gestores públicos quanto a das pessoas em relação à qualidade do espaço físico e social já subtraíram nossa oportunidade de controle. Ou seja, não conseguimos mais evitar a proliferação do mosquito.
No terceiro estágio, a epidemia se estabelece e nos resta socorrer as vítimas. Estamos nessa fase. Como não nos preparamos, também, para esse momento, tendo em vista que precarizamos o sistema de saúde, nosso destino tem sido perder a guerra e computar as baixas.
Nossa esperança consiste na utopia de imaginar que os quatro sorotipos do vírus circulem, imunizem boa parte da população e nos deem um período de trégua até que se acumulem novos indivíduos susceptíveis e as epidemias voltem com, no mínimo, a mesma agressividade.
Mas isso seria nossa sucumbência a uma fatalidade sobre a qual temos amplas possibilidades de enfrentamento. Para isso, precisamos de ações políticas competentes e responsáveis para tirar o sistema de saúde do fosso tanto quanto de atitudes individuais e coletivas para não deixarmos garrafas, copos descartáveis, pneus, reservatórios e outros acumuladores de água à disposição do Aedes aegypti.


BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO é epidemiologista, doutor em medicina tropical e professor-adjunto no Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos


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