São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006

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"Consumismo estraga o país", diz Lembo

Governador afirma que brasileiro é "insolidário" e que burguesia precisa abrir a bolsa para ajudar a combater a crise social

Pefelista voltou a defender a atuação da polícia durante a crise provocada por ataques do PCC e diz que, "por estar velho", fala o que pensa

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), continua sua pregação contra a elite branca, mas agora apontou para um alvo um pouco mais preciso. O grande problema do Brasil, segundo ele, é o consumismo. "O consumismo estragou o Brasil", definiu na sabatina realizada ontem pela Folha no teatro que leva o nome do jornal, no Shopping Pátio Higienópolis, na região central de São Paulo.
Lembo sacou a explicação do consumismo ao comentar uma pergunta da platéia, que pedia ao governador que avaliasse a declaração do presidente Lula sobre o levante do PCC (Primeiro Comando da Capital), segundo a qual o grande antídoto contra a violência é a educação. Para ele, "é claro que a educação é necessária", mas o axioma de Lula não seria aplicável a São Paulo, onde "não tem nenhuma criança fora da escola", segundo o governador. "O grande problema é a falta de ética", defendeu.
Dilapidaram a ética, de acordo com Lembo, a "desunião das famílias", o declínio das religiões e o consumismo. "Faltou a possibilidade de educar para o consumismo", falou. "O consumismo brasileiro é desenfreado. Os produtos de luxo têm de ser mais tributados."

Lacaio da burguesia
Falador, irônico, piadista, com gosto pelo bate-boca, Lembo não economizou no figurino que adotou ao assumir o governo de São Paulo, em 31 de março último, com a decisão de Geraldo Alckmin (PSDB) de disputar a Presidência. Após ouvir o seu currículo, que citava a sua atuação como advogado do Banco Itaú nos anos 60, disse: "O Clóvis [Rossi] está feliz porque fui lacaio da burguesia financeira", fazendo referência ao colunista da Folha -também participaram do debate Mônica Bergamo (também colunista do jornal), Rogério Gentile, editor de Cotidiano, e o repórter especial Fernando Canzian.
Ao ser questionado por que não se filiaria ao PSOL, partido de esquerda, rebateu com outra piada: "Eu ficaria mal com aquelas camisetas".
Lembo disse que a sua "clareza", um atributo que os políticos costumam ter "muito pouco", é decorrência da idade. "Como estou velho, falo o que penso. O que posso fazer é ser nítido e claro."
O governador voltou a martelar a idéia de que uma das soluções para a crise social é "abrir a bolsa" da burguesia. O que seria essa abertura de bolsa?, quis saber Mônica Bergamo. "Em primeiro lugar é ter consciência social. Nós brasileiros somos "insolidários". Não temos sentido de solidariedade. É preciso abrir a bolsa para integrar todos os brasileiros."
Participar de movimentos sociais e doar 1% do Imposto de Renda devido a entidades que cuidam de crianças seriam formas de atuação solidária, na visão do governador.
Lembo detalhou as razões pelas quais cedeu um avião da Polícia Militar para que uma advogada fosse conversar com Marcos Camacho, o Marcola, líder do PCC, na Penitenciária de Presidente Bernardes. O governador disse que a advogada foi autorizada a encontrar-se com Marcola não para negociar o fim às rebeliões nos presídios, mas para conferir se ele havia sido torturado em sua passagem pelo Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). "Eu, comandante das duas polícias, dei ordem para irem lá."
O governador voltou a negar que os policiais de São Paulo tenham matado inocentes durante a crise do PCC. Considerou essa hipótese ofensiva à história da Polícia Militar.

Silêncio e covardia
Ao ser questionado pelo jornalista Clóvis Rossi sobre as razões do seu silêncio durante a ditadura militar, época em que Lembo integrava o partido da situação, a Arena, o governador subiu o tom de voz: "Se você conhecesse a mediocridade dos meus livros, não diria essas coisas. Fui o primeiro a pregar junto ao governo militar a anistia". Depois do discurso, Lembo respondeu à pergunta de Rossi: "Aos 71 anos, numa plataforma tão alta quanto a do governo de São Paulo, se eu continuasse calado seria um grande covarde".
Quando um entrevistador quis saber se seu discurso não era demagógico quando cotejado com sua carreira, ele saiu com outra frase de efeito: "Dentro da Arena fui sempre um rebelde sem causa".
Lembo voltou a ironizar a cúpula do PSDB, que estava em Nova York durante a crise do PCC: "Como toda ave, eles têm de andar pelo mundo. Tucano voa e às vezes voa fora de hora. O tucano tem essa natureza".

Inquisição
Lembo elegeu a inquisição, instituída em Portugal em 1536 e abolida pela Igreja Católica em 1859, como o pior período na história do mundo. A expulsão de judeus e muçulmanos de Portugal teria efeitos perversos para o Brasil por causa da existência de uma única religião, na qual não se admitia questionamentos nem controvérsias.
"Nós nos tornamos povos subservientes. Isso é mau. A inquisição enfraqueceu nossas mentes", defendeu Lembo. Essa fragilidade, decorrente da ausência do contraditório, de acordo com o governador, transformou o Brasil em um "país fraco".


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