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Rapa no acarajé
Tombados como patrimônio da cultura nacional, quitutes baianos vendidos na rua são banidos pela fiscalização de São Paulo
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE SÃO PAULO
"Cadê o tabuleiro da baiana do acarajé que ficava
aqui?" É a pergunta que José
Aldo da Silva, dono do Café
Canet, na rua Frei Caneca (região central), mais tem ouvido nas últimas semanas.
A quituteira é a dona Neide
Sena Avelino, uma soteropolitana que, diante da concorrência, trocou Salvador por
São Paulo dois anos atrás.
Legalizada lá, clandestina
aqui, ela não imaginava que
algo pior que a saturação dos
tabuleiros na Bahia a esperava nas ruas paulistanas.
Era o rapa, que apreendeu
o que o tabuleiro da baiana
tem. Do primeiro ponto, na
rua Herculano de Freitas, ela
foi para a Frei Caneca, para
tentar despistar os fiscais.
Da noite para o dia, dona
Neide sumiu, deixando a freguesia para trás. E sua história é a mesma das baianas
Val, Bá, Gal, Luzia, que tinham tabuleiros nas praças
da Sé, da República, Ramos
de Azevedo, na avenida Ipiranga, no parque da Água
Branca e desapareceram.
Para as baianas, a apreensão dos tabuleiros em São
Paulo é "impiedosa" porque:
1) Elas e o acarajé -bolinho de feijão fradinho- são
tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional) como
patrimônio cultural brasileiro. 2) Ao mesmo tempo em
que proíbe o acarajé e outras
comidas de rua, a prefeitura
legaliza o comércio de cachorro-quente nas calçadas.
Com a situação, as baianas
tomaram caminhos diversos.
Umas voltaram para Salvador, outras passaram a cozinhar para fora, algumas foram parar nas feiras livres.
A situação mobilizou a
Abam (Associação das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares do Estado
da Bahia), que diz ter ouvido
a seguinte resposta da Subprefeitura da Sé: "São Paulo
é São Paulo, baiana de tabuleiro é coisa de Salvador".
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras nega
ter sido procurada pela
Abam nos últimos dois anos.
Hélia Bispo, a baiana Bá,
teve o tabuleiro apreendido
na rua Treze de Maio. "É muito humilhante a maneira como nos abordam", diz.
"Fomos mal recebidos na
prefeitura. Não quiseram
nem nos atender. Se não
houver baianas com tabuleiros na rua, não há patrimônio nacional", afirma Rita
Santos, presidente da Abam.
QUESTÃO CULTURAL
"As baianas são patrimônio do Brasil, não apenas da
Bahia. Não há porque a prefeitura não estabelecer regras razoáveis que possibilitem às baianas vender acarajé", afirma Carlos Amorim,
superintendente do Iphan.
Em Salvador, a prefeitura
estabeleceu regras de higiene para que o quitute possa
ser vendido nas ruas.
O Iphan diz que vai procurar a coordenação das subprefeituras para fazer a mediação com a baianas.
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras afirma que é "descabida a suposição de perseguição contra
vendedores de acarajé ou
qualquer outro tipo de comércio em São Paulo".
"As subprefeituras seguem a legislação vigente,
agindo contra qualquer comércio irregular, incluindo o
de alimentos", afirma a secretaria, em nota.
"A legislação sobre comércio de alimentos foi definida
segundo o Código Sanitário
Municipal e tem o objetivo de
resguardar a saúde dos cidadãos", diz."Sanções a comércios irregulares de alimentos
são igualmente usadas para
qualquer atividade."
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