São Paulo, sábado, 31 de julho de 2010

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WALTER CENEVIVA

Dever de publicar e não publicar


Subsiste uma questão essencial: o jornalista deve revelar toda a informação segura que consiga obter?

NA ÚLTIMA TERÇA-FEIRA, jornais daqui e de fora destacaram o vazamento de informações sigilosas sobre ações militares dos Estados Unidos e do Paquistão, em face do Taliban, no Afeganistão. A divulgação poria em risco vidas de soldados americanos, naquela área da Ásia, o que Obama amenizou em avaliação feita um dia depois.
Subsiste a questão essencial: o jornalista deve revelar toda a informação segura que consiga obter? Sem outro parâmetro que não o interesse da cidadania, dos pagadores de impostos, ainda que a divulgação possa gerar perigos?
É possível pensar a resposta em termos da Constituição brasileira. O parágrafo único de seu artigo 1º determina: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente". Só valem limites fixados na própria Carta.
Nesse perfil, o veículo de comunicação pode optar por revelar ou não o fato, avaliando o interesse do povo. Que interesse?
No vazamento sobre o Taliban, o "New York Times" trouxe boa contribuição. Informou ter recebido a notícia há meses, mas só a divulgou agora, depois de inserida no diário britânico "Manchester Guardian" e na revista alemã "Der Spiegel". Predominou antes a preservação das forças armadas de seu país.
A Constituição brasileira, no artigo 5º, e a jurisprudência americana aceitam que certos assuntos sejam mantidos em segredo. Entre nós há duas normas gerais. A primeira se acha no polo do informante: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (inciso IV). Ou seja: o direito de manifestar (aí incluída a informação) compreende todos os assuntos.
No polo do recebedor da notícia "é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo de fonte quando necessário ao exercício da profissão" (inciso XIV).
A liberdade é a regra, com responsabilidades inafastáveis, também aceitas, desde que não ofendidos os direitos e as garantias dos interesses individuais nem os interesses coletivos de pessoas físicas e jurídicas, indicados na Constituição.
Mesmo na normalidade democrática há assuntos que, provisoriamente, podem ser negados ao conhecimento da comunidade.
Exemplo corriqueiro é o de áreas imobiliárias nas quais haverá melhoramentos públicos aptos a aumentar o valor delas. O administrador que, sabendo disso, compra imóveis na mesma região comete crime, mas mantendo o segredo, sem se servir dele, defende o interesse geral.
Boa definição nesse sentido saiu no recente livro "Necessary Secrets", de Gabriel Schoenfeld (edição da N. W. Norton, 485 pág.), no cotejo de segredos governamentais e deveres do jornalismo.
Schoenfeld é um conservador estudioso, mas deixa certo que -embora provisoriamente- certas informações possam ser restringidas se puserem a ordem democrática em risco ou sacrificarem a segurança da nação.
São postas na balança as valorações do que se perde no segredo mantido e o que se ganha na informação transmitida. Na dúvida, a solução ideal está na revelação.
Quando, como na invasão do Iraque, a omissão oculta o interesse político da facção dominante, o segredo arma o poder contra o povo, apenas reparado quando a verdade vem à tona, mas sem recuperar perdas e danos de vidas e bens.


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